Na reta final… abril começa em março.
(Publicado na edição de hoje, 4 de março, do Diário de Aveiro, página 18 )
Entramos na derradeira semana da campanha eleitoral, rumo às eleições legislativas de 10 de março.
Independentemente dos partidos anunciarem os seu programas e compromissos eleitorais, de os disponibilizarem, para consulta pública, nas suas plataformas digitais, a verdade é que são muito poucos os portugueses que os leem. Por outro lado, as afirmações proferidas no rolar da campanha, pelos mais diversos protagonistas e figuras de relevo, deixam marcas e são, na sua maioria, foco de atenção redobrada pelo eleitorado, gerando reações, sejam elas críticas ou não.
O que temos assistido nesta última semana é que o aparecimento de determinadas figuras públicas e políticas no palco mediático tem gerado, na opinião pública, um conjunto de circunstâncias e realidades que trazem para o espaço público o avivar da memória de uma má experiência coletiva para os portugueses. O que tem, ainda, provocado um conjunto de “zig-zagues” discursivos e permanentes alterações de retórica que cavam desconfiança, indiferença e repulsa.
Mesmo dentro da bolha do PSD, é mais que reconhecido que Passos Coelho é um elemento tóxico no processo eleitoral, por tudo o que a sua ligação ao período trágico da Troika representa. Mas o que ressalta da aparição de Passos Coelho na campanha do PSD, já que em relação ao contexto de 2011 a 2015 os portugueses têm memória bem presente (as promessas não cumpridas, os cortes de salários, de pensões, o empobrecimento das famílias, os colossais aumentos de impostos, a estagnação da economia, o “ir para além da Troika”…), foram outros três contextos relevantes.
Primeiro, o discurso completamente enviesado e irrealista (os dados são disso contraditório) da imigração e da sensação de insegurança. Retórica que não é inócua ou inocente e vai muito para além de uma tentativa estratégica de ganhar votos ao Chega. É um espelho claro do radicalismo e extremismo que há alguns anos descentrou o PSD mais à direita e fez perder o seu foco social. A questão da imigração deve e pode ser discutida e avaliada, mas nunca na vertente da desumanização, do desrespeito pela dignidade e pelos direitos fundamentais. Não há aumento de criminalidade relacionada com a imigração. Se há quem possa ter um sentimento de insegurança são os próprios imigrantes com o instalar, mais que óbvio, da xenofobia e do racismo latente na sociedade. Segundo os dados recentemente divulgados pelo Global Peace Index 2022, Portugal é o sexto país do mundo e o quinto da Europa mais seguro (numa lista de 163 países). E sobre o mito da subsidiodependência ou da falta de contribuição fiscal e solidária, os imigrantes em Portugal deram mais de 1,6 milhões de euros de lucro – repito… de LUCRO – à Segurança Social. Apesar de grande parte receber menos cerca de 30% de vencimento do que os trabalhadores portugueses, os imigrantes contribuíram com cerca de 1,861 milhões de euros e receberam, de comparticipações sociais, apenas, 257 mil euros (7 vezes menos), isto quando a taxa de beneficiários de apoios sociais entre os estrangeiros é de 38%, enquanto a dos nacionais é de 79%. Para além disso, os imigrantes têm um papel fundamental no mercado de trabalho, na produtividade e na economia, onde, sem o trabalho deles, alguns setores e atividades colapsariam. Em Portugal, os estrangeiros têm uma taxa de atividade (percentagem da população ativa – empregados e desempregados dos 16 aos 65 anos – por cada 100 cidadãos) de 77%, muitas vezes sujeitando-se a condições indignas ou a criminalidade das redes de tráfico de mão de obra. E ficou claro, que nada disto foi a abordagem de Passos Coelho, não vale a pena disfarçar.
A questão da imigração passa, não pela segurança, pelo medo, pela aculturação, mas sim por garantir condições dignas de acolhimento e de combate, na origem, às redes de escravidão e de tráfego humano.
A segunda questão prende-se com a referência de Passos Coelho à juventude. Não é admissível e é surreal a falta de vergonha política face ao esforço que foi feito, desde 2015, para estancar a emigração dos jovens e a fuga de habilitações académicas para o estrangeiro. Isto vindo de quem, taxativamente, aconselhou os mais jovens a emigrarem porque o seu governo não tinha medidas e políticas para os apoiar. Mas é importante destacar: entre 2011 e 2015 emigraram perto de 500 mil portugueses, dos quais quase 180 mil eram jovens (até aos 34 anos), segundo a Pordata. Entre 2016 e 2020 (a mesma faixa temporal), emigraram 120 mil jovens (cerca de menos 33%). É certo que 30% dos jovens (1 em cada 3) vive fora de Portugal, mas importa não esquecer que o pico da emigração jovem se deu em 2013 com cerca de 120 mil jovens (até aos 39 anos) a abandonarem o país.
Por último, o recado partidário a Luís Montenegro e que não deixa qualquer dúvida sobre o destino da direita em Portugal e o futuro da governabilidade. Se o PS não vencer as eleições, nada nesta fase está decidido, o PSD e Luís Montenegro vão ter um grave problema de responsabilidade, de credibilidade e de ética político-partidária. Porque a pressão aritmética dos resultados eleitorais e, principalmente, a pressão partidária no seio do PSD podem ditar que Luís Montenegro tenha de assumir o que tem andado a esconder: o apoio do Chega para garantir a governabilidade à direita, com tudo o que isso significa para a forma como se olha para a sociedade, para a economia, o país, para o Estado e a sua responsabilidade social. E Passos Coelho foi, explicitamente, transparente neste recado que cola a direita ao extremismo radical do Chega.
Seria interessante ouvir Luís Montenegro assumir, tal como irresponsavelmente o fez em relação às pensões, que se depender do Chega para formar governo também se demitirá no primeiro segundo pós-eleitoral.