Não acredito em bruxas, mas que las hay, las hay
Não há coincidências, assim como ganha especial dimensão a expressão e o conceito “não há almoços grátis”.
Nas vésperas das eleições europeias de 9 de junho, houve duas intervenções públicas do Primeiro-ministro que, à data, terão passado despercebidas, ou pelo menos desvalorizadas, mas que à luz de alguns acontecimentos mais recentes adquirem novos contornos.
Numa conferência, no Porto, a propósito das comemorações dos 136 do Jornal de Notícias, Luís Montenegro admitia o financiamento público da comunicação social que presta um serviço público.
Dois ou três dias depois, nova afirmação relacionada com o jornalismo, onde o líder do PSD e do Governo referia que a comunicação social tem uma grande responsabilidade no combate ao extremismo e ao populismo.
A estes dois contextos, podemos ainda adicionar o impasse que o Diário de Notícias ainda vive quanto à sua sustentabilidade e resolução da crise financeira que assola o Global Media Group, o recente conflito que coloca frente-a-frente o Sindicato dos Jornalistas (infelizmente nem todos os jornalistas ou todos os órgãos de comunicação social) e a extrema-direita ou, ainda, a abertura de procedimento oficioso da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação) e o partido Chega.
Nem de propósito, ou bem a propósito, como preferirem, os jornais Público e Diário de Notícias dispensaram, e a expressão é a mais soft (politicamente correta) que encontro, as colaborações de cronistas como Paula Cardoso, Cristina Roldão, Ana Drago, Carmo Afonso e António Brito Guterres, todos eles de esquerda ou com convicções, marcadamente, de esquerda. E não é displicente esse lado ideológico ou programático.
A verdade é que para uma democracia ser completa, excluindo o que a própria Constituição ou universo legislativo determinam como crime (ofensa, discursos de ódio, racismo, fascismo, mentiras, atentados contra a dignidade da pessoa), o pluralismo, a liberdade de expressão, o contraditório na informação (este um princípio ético do jornalismo) são essenciais e vitais para o fortalecimento e a coesão do sistema.
Nem todas as opiniões em causa encontraram eco nas minhas convicções, embora as posições da Ana Drago sempre recolheram uma especial empatia e há sempre exceções, nomeadamente quando estiveram em cima da mesa as causas sociais e humanas. E foram algumas.
Mas nem por isso deixo de reconhecer que a pluralidade, as diferentes visões e opiniões, o contraditório, limitado no que as normas, os códigos, as regras e a lei o permite e baliza, são mais do que fundamentais para um jornalismo livre, pluralistas, que informe e “forme”, que se paute pelo rigor e pela verdade. E, desta forma, seja um pilar fundamental para a solidez da democracia e da liberdade.
Apesar do respeito, pelos jornais e pelos leitores, que os ex-colaboradores em causa tiveram na forma como encerraram as suas últimas contribuições, piora o contexto a ausência de uma posição pública, de uma explicação elementar, por parte dos dois títulos informativos, que os leitores e a sociedade mereceriam. Perde, e muito, o jornalismo e a democracia.
Não o fazendo, e olhando para o que é o panorama das contribuições pessoais de comentadores e opinadores na comunicação social, fica sempre a suspeita, a sensação, a dúvida nos cidadãos, pelo menos os que entendem e acolhem o fundamental papel da informação e do jornalismo na democracia e na sociedade, de uma manifesta falta de imparcialidade e de pluralismo.
Algo que, por exemplo, o jornal Expresso entendeu (pelo menos na edição desta semana), apesar de tarde e a más horas, destacando-se a peça assinada pelo Vítor Matos, na revista E (“Desinformação, mentiras e vídeo”) (*), ou a coluna de Ricardo Costa, na última página do caderno principal do jornal (“O homem que fala mais de Marcelo”) (*), mesmo que, tal como muitos outros órgãos de comunicação social, tenham sido os principais responsáveis pelo mediatismo desregulado, injustificado e imerecido da extrema-direita em Portugal (*) conteúdos exclusivos, pagos... e bem).
E a fatura será demasiada pesada se comparada com os riscos da concorrência e da mercantilização jornalística, quando o interesse do público se sobrepõe ao interesse público, à ética, à verdade e à liberdade.