Não há “meias” desigualdades
publicado na edição de hoje, 5 de novembro, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Não há “meias” desigualdades
Ou há, de facto, desigualdade, diferença, discrepância no tratamento e nas oportunidades, descriminação… ou não há.
Em 2016 a Comissão Europeia instituiu o dia 2 de novembro como o Dia Europeu pela Igualdade Salarial. Portugal transferiu a data que se celebrava em março para este dia, adoptando assim a decisão da União Europeia.
É pena que António Costa, a despropósito e sem aparente razão política, tenha substituído, na remodelação que efectuou a propósito da crise política dos incêndios, Catarina Marcelino que registava um interessante trabalho como Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género. E é pena porque, em 2017, Portugal transferiu a data da Comissão Europeia mas esqueceu-se de transferir muitos dos "conteúdos". No que toca à questão da Igualdade de Género a sociedade portuguesa é, enraizada e de forma encapotada, preconceituosa, arcaica e medieval, apesar de tantos avanços no conhecimento, nas liberdades, etc. Achamos ridículo que se fale de igualdade entre homens e mulheres, colamos logo o princípio universal à questão feminista e mais a uma dezena de "ismos", entendemos que o país tem coisas mais sérias para tratar (o que só revela o arcaísmo social e cultural). E mais grave... achamos normal uma pena suspensa de quatro anos depois de comprovados os crimes de violência doméstica; assobiamos para o ar quando são revelados os números das vítimas (mortais ou não) da violência doméstica; rimo-nos e sorrimos cinicamente quando deturpamos a realidade da Igualdade de Género confundindo-a (muitas vezes propositadamente) com a igualdade da sexualidade ou personalidade entre homem e mulher, quando o que está tão simplesmente em causa é o legítimo direito a tratamento igual, à mesma oportunidade, aos mesmos direitos fundamentais (importa notar que, dos 28 países da União Europeia, ainda com Reino Unido, Portugal ocupa apenas o 21º lugar na tabela sobre igualdade de género); ou ainda, ficamos indiferentes (quando até concordantes) com um juiz que transporta para o direito uma abusiva interpretação bíblica ou espelha nos dias de hoje o direito do século XIX e entende que a mulher é um ser inferior, inferiorizante e inferiorizável.
O fosso que separa a igualdade entre o homem e a mulher, segundo o último relatório do Fórum Económico Mundial, aumentou em Portugal fazendo cair o país (entre 144) do 31º para o 33º lugar (itens da avaliação: política, participação económica, saúde e educação). O problema não são os 111 países que se encontram abaixo de Portugal, onde se inclui, por exemplo, os Estados Unidos. O problema, para um país que se quer social e economicamente desenvolvido, para que um país possa acompanhar os seus parceiros europeus sem se sentir sempre na cauda da Europa, são os 32 países que estão à nossa frente (mais dois que no penúltimo estudo) como, por exemplo, Espanha, França, Suíça, Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Suécia, Finlândia e Islândia. É inconcebível, no final de 2017, em Portugal, as mulheres ganharem ainda, em média, menos 16,7% do que os homens. O que corresponde uma necessidade de trabalharem mais cerca de 61 dias do que os homens para obterem o mesmo rendimento. Embora as desigualdades no mercado laboral incluam ainda o recrutamento, a progressão na carreira, os lugares de decisão (33% dos lugares de gestão e 20% dos cargos executivos) ou a cessação da relação laboral. Mas pior ainda... com tanto empenho e tanta campanha o Governo esqueceu-se do essencial: a causa não pode ficar por metade ou por princípios incompletos. O todo, todos, tem que justificar a mudança de mentalidade. Segundo a agência LUSA, o Conselho de Ministros que teve lugar esta semana teve a oportunidade de discutir e avaliar uma proposta conjunta da Cidadania e Igualdade (tutelada pela Presidência) e pelo Ministério do Trabalho que determina que «as empresas com mais de 100 trabalhadores vão passar a ser notificadas pela inspeção do trabalho quando forem detetadas desigualdades salariais e serão obrigadas a aplicar, em dois anos, um plano para justificarem as diferenças e corrigirem eventuais discriminações» (Lusa).
Alguém que me faça um desenho... uma empresa que tem 2 trabalhadores já pode aplicar desigualdades salariais sem que isso seja relevante? E porquê a bitola dos 100 trabalhadores? Que parâmetro surreal. Porque é que não em empresas com 10, 20, 500 ou mil trabalhadores?
A desigualdade é a mesma entre 50 homens e 50 mulheres ou entre um homem e uma mulher. Ou há desigualdade ou não há. Ponto.