Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Não julgar... um dever cívico.

E é tão fácil julgar os outros no (maior ou menor) bem-estar da vida.

image.aspx.jpg

(créditos: da aveirense fotojornalista Maria João Gala / arquivo Global Imagens, in Diário de Notícias)

Factos: terça-feira, 15 de setembro de 2020 (sublinho e destaco 2020)... já noite dentro, às portas de uma igreja, no Cacém, foi encontrado um bebé abandonado, com menos de um mês de vida (cuidado, agasalhado e com um bilhete).

A partir daqui é fácil "disparar os gatilhos" dos veredictos acusatórios: desumano, crime, atitude inqualificável da mãe... só para ficar pelos "eufemismos" e pelo mais "soft".

É-me difícil encontrar uma explicação (diferente das justificações) para que alguém (mãe, pai, whatever) consiga ter a "coragem" (repito, "coragem") para abandonar um filho, muito mais uma criança com 21 dias de vida. Não é fácil... mas não é fácil porque não consigo transportar-me para contextos, vivências, realidades, sobrevivências nos quais, por sorte, pelo destino ou pelo(s) rumo(s) da vida não vivi, pelos quais não passei (felizmente).
Por desconhecer e não conseguir racionalizar essa "coragem" (volto a repetir... "coragem"), não consigo igualmente apontar o dedo ao que entendo ser um acto de desespero e, tal como muitas vezes referido por muita gente, um acto de amor.

É muito fácil... demasiado fácil... hipócrita até que, atrás de um teclado de um computador ou de um smartphone (daqueles de 300/400/500 ou muitos mais euros), num bom sofá frente à televisão, bem abrigados deste temporal pré-outonal, enquanto o filho ou a filha se entretêm com o Canal Panda, se debitem as maiores barbaridades sancionatórias em relação a uma mãe, de 25 anos, que por desespero, por desconhecimento de soluções sociais - ou porque as mesmas lhe fecharam a porta - apenas pensou numa sobrevivência e num crescimento dignos e num melhor futuro para o seu filho.

E quando lemos a carta que acompanhava a alcofa do bebé, escrita, curiosamente, na primeira pessoa... levamos um murro no estômago.

E se não é fácil (para não dizer "quase impossível") conseguir perceber como é possível haver a coragem para o acto, é muito mais fácil perceber que tudo falhou: falhou uma sociedade que não soube ser solidária, nem "vizinha"; falharam as instituições (particulares e públicas) que, por omissão ou decisão, não se mostraram disponíveis, atentas e devidamente conhecidas para desempenharem o seu papel e agirem; e falhou o Estado na sua missão Social.
Sim... falhámos TODOS NÓS! Como em tantas outras vezes, sem conseguirmos aprender e refazer os repetidos (demasiadamente repetidos) erros.

Curiosamente (ou não) a única que "aprendeu" foi a própria mãe que ontem se apresentou às autoridades confessando e confirmando os factos e os actos.

carta.jpg

1 comentário

Comentar post