Nem todos os meios justificam os fins... ou quase nunca o justificam.
Começa da pior maneira o ano de 2020. Muito mal, mesmo.
E se muitos (infelizmente, a maioria) acham que os recentes acontecimentos no Médio Oriente, nomeadamente em Bagdad (Iraque) e, mais concretamente, a morte do general iraniano Qasem Soleimani (o segundo da hierarquia do regime do Irão), são aí mesmo, num longínquo médio oriente (onde a maioria só em 'sonhos' se imagina de férias no Qatar ou Dubai) é urgente alertar para a importância da tomada de consciência com a realidade e a necessidade de assentarmos bem os pés na terra.
O que se passou com a decisão (para alguns à margem da própria constituição e num manifesto abuso dos poderes presidenciais) tomada por Donald Trump em avançar com uma acção militar para assassinar Soleimani foi um evitável, deplorável e condenável "acto de guerra". Não há qualquer argumento que consiga minimizar o impacto de tal decisão de supremacia política que, só por si, já há muito que deveria ser controlada. Não se evita uma guerra (segundo as palavras do presidente norte-americano) abrindo outra guerra (aparentemente maior).
À margem de qualquer decisão do direito internacional (nomeadamente da ONU), o que Donald Trump fez foi, claramente, legitimar e justificar toda e qualquer escalada de violência e de terrorismo que se avizinha e que o Médio Oriente, nomeadamente o Irão, já prometeu.
Os impactos são óbvios... um aumento substancial do valor do petróleo e as consequências que o mesmo pode ter na economia mundial (pode ser que depois disso os muitos portugueses cépticos ou indiferentes comecem a perceber a realidade); um eventual regresso da "Guerra Fria" face ao posicionamento (mesmo que aparentemente neutral, devido ao terrorismo islâmico) da Rússia e o bloqueio nas relações comerciais China-USA; o aumento exponencial dos actos de terrorismo islâmico provocados pela sede de vingança e pelo reforço do extremismo político-religioso.
O mundo já tinha vivido este sentimento de enorme insegurança a partir de 1990-91, com a Guerra do Golfo, após o Iraque ter invadido (e tentado anexar) o Kuwait. Importa recordar que, na altura, a reacção da comunidade internacional (e não apenas dos estados Unidos) tinha como sustentação a Resolução 678 do Conselho de Segurança da ONU.
A década que se seguiu culminou com o ataque, em pleno território americano, às 'Torres Gémeas" (World Trade Center) e ao Pentágono, no fatídico 11 de setembro de 2001.
A partir daqui o mundo não seria mais o mesmo.
Seguiu-se, curiosamente também sob uma administração Republicana (George W. Bush), a invasão do Iraque que levou ao derrube (em 2003) e morte (por enforcamento, em 2006) de Saddam Hussein, sob a (inventada) suspeita de armas de destruição maciça ou massiva (por empréstimo externo, se usarmos o anglicismo). Um dos maiores flops da história geopolítica e que, até aos dias de hoje, tantas mortes provocou, seja pelos atentados terroristas no continente africano, no próprio Médio Oriente, na Europa, por exemplo, ou através da tragédia humanitária que tem sido a crise dos refugiados, nomeadamente aqueles que morreram nas águas do Mediterrâneo.
Esta perigosa presunção, infelizmente demasiadas vezes sustentada e 'aplaudida' por tantos "aliados", dos Estados Unidos serem os senhores/donos do mundo, os arautos da democracia e dos valores, os guardiões da liberdade e da verdade, só tem resultado num Mundo intolerante, sem respeito pelos outros ou pelos mais elementares direitos humanos, cada vez mais inseguro, menosprezando o direito à liberdade e à coexistência. A isto podemos ainda acrescentar o perigo subjacente ao exercício do poder por parte de um dos presidentes norte-americanos mais incauto e politicamente inadaptado para o cargo: Donald Trump.
Quando os interesses geopolíticos e geoestratégicos, aliados às 'vontades' económicas (ou interesses economicistas) se sobrepõe a todos os valores fundamentais e universais, não há argumento que justifique, valide ou sustente qualquer meio que leve à violência.
No caso concreto, lamenta-se que os Estados Unidos e Donald Trump ataquem o Irão e o Iraque, mas validem todos os atentados aos direitos humanos que emergem na Arábia Saudita e nos Emirados Arabes Unidos. Lamenta-se que os Estados Unidos e Donald Trump não tenham tido a mesma posição de força, por exemplo, no caso do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi. Lamenta-se que os Estados Unidos e Donald Trump tenham contribuído para o alimentar do conflito entre Israel e a Palestina, por exemplo, com a decisão de mudar a embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém, numa clara atitude provocatória e de demonstração de força política.
No caso concreto, lamenta-se que os Estados Unidos e Donald Trump não tenham qaulqer tipo de preocupação com as consequências da decisão e os impactos futuros, apenas o interesse em salvar a face política (se é que alguma vez a teve) do presidente norte-americano perto de um acto eleitoral e sob a ameaça de um impeachment.
A partir de 2 de janeiro de 2020 o Mundo ficou, ainda, mais perigoso. Bullshit, Mr. Trump.