O cinísmo da democracia...
Arrancou com o pé esquerdo e da forma mais caricata a Legislativas 2024-2028.
Quanto ao surrealismo político que marcou o arranque do mandato Parlamentar, o que deveria ser um momento com dignidade e elevação, foi transformado num circo, pelos suspeitos do costume, onde não faltou um inqualificável desrespeito pela Casa da Democracia, pelos portugueses e pelos eleitores, ao ponto de haver Deputados, a quem os eleitores (independentemente das opções ideológicas, partidárias ou do mero "protesto") consignaram a sua representação democrática, que se deram ao trabalho de brincar com o momento solene da eleição da Presidência da Assembleia da República anulando os seus votos (7) com desenhos e inscrições, quais criancinhas de escola primária.
Este mais não é do que o espelho dos inconsequentes “votos de protesto” e do que nos estará reservado no que diz respeito à promoção e consolidação da democracia, ao desenvolvimento do país e à valorização dos problemas e das preocupações dos portugueses.
Ultrapassando toda a bagunçada criada à direita, esquecendo, até, a ingenuidade político-partidária com que o PSD tratou o processo, acabou por ser o PS o “adulto na sala” e a encontrar uma solução (após mais dois momentos eleitorais, mesmo assim, ganhos por Francisco Assis/PS, diga-se, numa candidatura apresentada apenas após o PSD ter avançado, num primeiro momento, que não recandidatava Aguiar-Branco) que, não sendo inédita no quadro parlamentar, marca um posicionamento político evidente: é e será o PS a balança do equilíbrio na defesa das Instituições e dos valores da democracia e a principal referência na oposição.
No entanto, de forma questionável, apesar de toda a pressão e chantagem que o Chega colocou no PSD, de todo o folclore gerado no processo que noutras circunstâncias teve desafios democráticos particularmente exigentes, mas nunca a "palhaçada" a que se assistiu nos dois primeiros dias da Assembleia da república, o cinismo da política veio à tona, com todos os riscos que isso representa para a democracia e para a governabilidade e instabilidade política nacional. Algo que até o Iniciativa Liberal percebeu, demarcando-se claramente no momento do voto para a eleição das vice-presidências da Assembleia da República. O mesmo, já tinha percebido Rui Rio em 2019 e 2022 quando a bancada social-democrata (e bem) chumbou as candidaturas do Chega.
Não é justificável, aliás, é criticável, o sentido de voto do PSD na eleição da vice-presidência proposta pela extrema-direita neofascista (a mais baixa de todos e perto do limite: apenas os votos da AD e do Chega, ao contrário de todos os outros muito mais consensuais e alargados). E estas faturas, em termos políticos e democráticos, pagam-se caro no futuro.
E tudo isto não será indiferente ao que se vizinha para esta legislatura quando analisamos os resultados das votações em causa.
Aguiar-Branco foi eleito com 160 votos (PSD + CDS + PS + 2 votos), depois do acordo formalizado com o PS (o que já poderia ter ficado resolvido no primeiro dia e no primeiro momento), registando-se ainda 18 votos em branco (IL + Esquerda) e nenhum voto nulo, num universo de 228 deputados votantes e excluindo os 50 votos na outra candidatura apresentada.
Para as Vice-presidências (227 deputados dos 230 eleitos):
(a maior votação) Marcos Perestrello, eleito pelo círculo de Lisboa na lista do PS, contou com 169 votos a favor (Esquerda+PSD+CDS) e 57 brancos e um nulo (IL + Chega);
Rodrigo Saraiva, eleito pelo círculo de Lisboa na lista do IL, obteve 144 votos a favor (PSD+CDS+IL+parte da Esquerda), 82 brancos e um nulo (outra parte Esquerda+Chega);
Teresa Morais, eleita por Setúbal na lista do PSD, teve 140 votos a favor (PSD+CDS+IL+parte PS), 86 votos brancos e um voto nulo (outra parte PS+Esquerda+Chega);
Diogo Pacheco de Amorim (ideólogo do Chega) foi eleito apenas com 129 votos a favor, do Chega e PSD. O que apesar de ser a democracia a funcionar não deixa de ser o cinismo da própria democracia a deixar-se corroer por dentro.
Como disse, de forma excelente, Francisco Assis esta eleição deste Vice-presidente para um dos cargos de maior relevância política e democrática no país e todo o que foi este momento inicial desta 26.ª legislatura demonstra bem qual o papel do Chega na democracia: não é de oposição, de construção de alternativa, de solução para o país. É apenas a oposição ao regime democrático e à liberdade.
Ficar refém deste receio, ficar refém de um inócuo silêncio, significa alhearmo-nos na defesa da democracia. E isso é impensável e imperdoável nos 50 anos do 25 de Abril de 74.
(fonte da imagem: CNN portugal)