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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O comércio também se cansa e merece repouso

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Nas últimas 3 décadas, sensivelmente desde 1996, quando a questão do alargamento ou redução de horários laborais, concretamente no setor do comércio, era colocada, havia uma tendência instalada de misturar conceitos e argumentos que em nada ajudavam à solução. Em alguns casos, acabavam mesmo por serem de tal forma surreais que provocavam um efeito contrário ao esperado. Recorde-se, por exemplo, o argumento da prática religiosa. Obviamente que não é pela abertura do comércio (ou parte dele) aos domingos que há menos crentes praticantes e menos pessoas nos cultos.

Mas há ainda um outro argumento que levanta algumas reservas, que tem estado mais presente e tem sido mais vincado, usado na proposta de iniciativa legislativa de um grupo de cidadãos e que será discutida na Assembleia da República, resultado de uma petição que recolheu mais de 26 mil assinaturas, promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal: o equilíbrio concorrencial entre o Comércio Tradicional e as Grandes Superfícies Comerciais (Centros Comerciais ou cadeias de Distribuição) ou o Comércio grossista e retalhista.

Não consigo encontrar uma relação direta, uma causa-efeito consistente, entre os horários praticados entre as duas vertentes comerciais e a questão concorrencial. A sobrevivência e a dificuldade existencial do comércio dito tradicional está na sua natureza, na sua especificidade, na sua dimensão e na sua capacidade de criar riqueza que permita subsistir, face a uma realidade e dimensão económica, financeira e de mercado que o “grande comércio” tem e preconiza. Não é, claramente, pelo horário que a concorrência se dilui. De todo. Quem opta pelo comércio tradicional ajusta-se à sua realidade. Quem opta pelo “grande comércio”, havendo redução de horários de funcionamento não passa, só por isso, a ir à frutaria, à peixaria, à drogaria, à loja de moagem e torrefação de café, ao talho, ao minimercado, à loja de desporto, à modista ou à boutique do bairro, da cidade ou da vila. Adapta-se, ajusta-se por opção de tipologia de oferta/procura e de consumo.

Há, no entanto, três argumentos que merecem especial atenção e destaque, provavelmente capazes de criar um consenso mais alargado quanto à legítima e válida pretensão de alteração do funcionamento do Comércio em Portugal: abertura até às 22 horas, de segunda a sábado, e encerramento aos domingos e feriados. Até poderíamos ir mais longe. De segunda a sábado encerramento às 21 horas.

Com eventuais (poucas) exceções à regra, sendo o foco em setores que não são vitais ou imprescindíveis para o funcionamento da sociedade e das comunidades (como, infelizmente, a segurança, a saúde, o turismo, os transportes/mobilidade, a energia e a água, entre outros), só por comodismo, egoísmo e preguiça em adaptar o estilo de vida, é que a maioria dos trabalhadores obriga uma minoria a não ter direito e usufruir das mesmas condições de descanso, lazer e vivências familiares e sociais.

São, pois, legítimos os argumentos da dificuldade de conciliação da vida profissional com a vida familiar e social e o desrespeito pelo necessário e legítimo tempo de lazer dos trabalhadores de grande parte do setor comercial e, nalguns casos, de serviços.

O que tem impedido que o país ajuste o funcionamento do Comércio e Serviços, ao contrário do que se passa numa parte significativa da Europa? Apenas uma realidade (tantas vezes confirmada noutras áreas do Estado e da sociedade): a falta de coragem política perante o peso económico que as Grandes Superfícies, a Distribuição, o Comércio retalhista e grossista detêm.

E é isso que preocupa os próprios visados (subscritores da proposta e da petição, sindicatos e, essencialmente, os trabalhadores do setor). Que a precariedade enorme, os baixos salários, a exploração laboral, a instabilidade profissional, o desgaste já tão marcados e vincados no setor possa agravar-se e ser matéria de pressão e chantagem por parte de quem detém o poder económico e comercial. E que, infelizmente, têm conseguido, nestes últimos 30 anos, ganhar todas estas batalhas. Não só as laborais, como as normativas e reguladoras, ou as lucrativas (basta ver o que ganharam com a escalada dos preços e com a inflação… não foram só os Governos com a receita fiscal – diferente de carga fiscal - desenganem-se).