O (des)apoio ao Poder Local
publicado na edição de hoje, 14 de maio, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
O (des)apoio ao Poder Local
Na sessão solene da celebração do Feriado Municipal (na segunda-feira), o Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Ribau Esteves, no seu discurso apelou ao sentido de unidade e cooperação entre as forças vivas de Aveiro: o poder político, o sector empresarial, social e cultural. Com esta realidade seria possível criar uma maior sustentabilidade ao crescimento e desenvolvimento do Município de Aveiro.
A referência ao discurso do edil aveirense serve para contextualizar e retomar o que escrevi, na edição do dia 30 de abril, sob o título “Portas que ‘Abril’ abriu” e referente ao Poder Local.
Sendo certo que o país não pode estar sempre e exclusivamente dependente da alçada (entenda-se, subsidiação) do Estado, também não deixa de ser verdade que é o mesmo Estado que tem uma dificuldade “patológica” em libertar determinadas “amarras” que vão sufocando o país. Uma dessas amarras é a relação com o Poder Local. Ao exemplo apontado no artigo do dia 30 de abril, relacionado com a malfadada Reforma Administrativa Autárquica implementada em 2013 (agregações de freguesias, etc.), acresce outra realidade que espelha a forma como o Governo de Pedro Passos Coelho olha para as autarquias (municípios e freguesias).
Uma das fundamentações usadas pelo Governo (à época, pelo ex-ministro Miguel Relvas) para a aplicação da Reforma Administrativa das Autarquias (freguesias) era a eventual redução de custos e encargos nas contas públicas geradas pelos órgãos autárquicas (algo que não se verifica, na prática). No entanto, a bem da verdade, neste contexto falhado da redução de custos com a eliminação de cerca de 1500 freguesias, não significa que não haja a necessidade de se rever a Lei das Finanças Locais e os investimentos a nível municipal e regional, já que são factos comprovados a existência de cerca de 30 os municípios financeiramente insustentáveis, insolventes ou com graves desequilíbrios orçamentais. E esta realidade não é nova.
De tal forma que, em 2012, o Governo “preocupado” com esta realidade disponibilizou uma linha de crédito de cerca de 1,2 mil milhões de euros para que as autarquias asfixiadas financeiramente pudessem sustentar as suas dívidas de curto prazo (90 dias): nascia o famoso PAEL - Programa de Apoio à Economia Local. No entanto, passados quase dois anos, são algumas as autarquias (cerca de uma dezena) que se candidataram ao Programa e que ainda não receberam os valores acordados e delineados. Mais… face às dificuldades sentidas e aos obstáculos criados, há autarquias, como o caso do Município de Montemor-o-Velho, por exemplo, que ponderam seriamente abandonar o Programa do PAEL, se é que já não o fizeram. E ainda no exemplo citado, o próprio Estado (Governo) não está isento de culpa na dimensão dos problemas financeiros da autarquia, pela responsabilidade de alguns investimentos gerados sem preocupação de sustentabilidade ou de financiamento, como é o caso da Pista de Remo. Ou como será também exemplo o impacto nas finanças locais da construção do Estádio em Aveiro para o Euro 2004.
Tendo como perspectiva uma resposta sustentada ao problema das dívidas das cerca de 30 autarquias, algumas das quais bem graves (Seixal, Portimão, Cartaxo, Aveiro, etc.), o Governo anunciou, em novembro de 2013, a criação de um novo programa: o Fundo de Apoio Municipal (FAM), com uma verba a rondar os mil milhões de euros, e que estaria regulamentado no início de 2014 (fevereiro). Paradoxalmente, quando o próprio Governo não fechou, ou concluiu devidamente, o processo PAEL. Só que entre o anúncio do novo programa de apoio municipal e a sua concretização, pelo menos ao nível legislativo, vai uma grande distância e um considerável número de adiamentos da sua materialização. O que volta a espelhar e a demonstrar a falta de respeito que este Governo demonstra pelo Poder Local e pelas comunidades autárquicas.
Anunciado para fevereiro, a data foi dilatada até abril, sendo que já não será em maio que o mesmo estará disponível para os Municípios, perspectivando-se o verão de 2104 como a próxima data. Até lá, apesar dos insistentes apelos da Associação Nacional dos Municípios Portugueses para uma urgente clarificação e resolução governativa para a ausência do FAM… o Poder Local vai perdendo sustentabilidade, capacidade e criatividade para ir contornando uma realidade que, obviamente, com o passar do tempo vai tomando maiores e complexas dimensões.
Como não há eleições autárquicas, não há nem PAEL, nem FAM que valha às Câmaras Municipais. É mais uma saída limpinha, limpinha, da responsabilidade deste Governo.