O esboço político
publicado na edição de hoje, 24 de janeiro, no Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
O esboço político
O ministro das Finanças, Mário Centeno, apresentou esta sexta-feira o esboço do Orçamento do Estado para o ano de 2016.
Mesmo sem detalhes, nem pormenores, as linhas gerais do que deverá ser o Orçamento para este ano mereceu óbvias e naturais críticas à direita e legitimas reservas mais à esquerda.
O esboço público do OE2016 tem o condão de espelhar, mesmo que não totalmente, muitas das medidas programáticas do PS apresentadas durante a campanha eleitoral legislativa e nas semanas que envolveram o limbo governativo pós-eleitoral: o aumento das prestações sociais, dos rendimentos e das pensões, o desagravamento da carga fiscal (o que representará menos receita fiscal), a promoção do consumo interno para impulsionar a economia mesmo que o crescimento do PIB tenha sido revisto em baixa (2,1%, embora cima dos valores previstos pelas instituições internacionais). Mas o esboço orçamental deixa algumas interrogações, nomeadamente como é que será feita a consolidação orçamental tendo por base essencialmente o aumento das exportações numa conjuntura económica desfavorável (e diminuição das importações, num país com deficiente resposta produtiva) e na incerteza da capacidade de gerar investimento, face ao aumento da despesa com as prestações sociais (prestações familiares, RSI, pensões) e com a devolução de rendimentos salariais (sobretaxa do IRS, TSU, reposição salarial) e perante uma diminuição da receita fiscal (por exemplo o IVA na restauração, cerca de 168 milhões de euros). Para além das incertezas quanto ao impacto e eficácia de medidas e políticas que diminuam as chamadas “gorduras do Estado”, do impacto orçamental de receitas com base em impostos indirectos (por exemplo o aumento do imposto petrolífero que irá aumentar o preço dos combustíveis, apesar do actual valor do petróleo, com reflexos na economia familiar e, essencialmente, empresarial) há ainda uma significativa e relevante dúvida no OE2016 e que se prende com o valor do défice. Para o Governo a meta para este ano será de 2,6%, valor ligeiramente acima do exigido pela União Europeia (2,4%). Mas se este é o esboço do cenário económico-financeiro que levanta dúvidas e críticas sobre a sua exequibilidade e a viabilidade orçamental, deixando no ar o receio do fantasma da ajuda externa, a intervenção do ministro Mário Centeno mostra igualmente o outro lado da “moeda”: a vertente política. Se por um lado tudo aponta para que este Orçamento do Estado demonstre uma clara rotura com a austeridade dos quatro anos de governação PSD-CDS, resta saber até que ponto o país resiste, no final deste ano, a um desagravamento do défice e a novo pedido de ajuda externa perante a acção económico-financeira do Governo. Além disso, há a dúvida de que a meta orçamental de 2,6% para este ano possa ser atingida sem recurso a medidas de austeridade e a mais sacrifícios dos portugueses.
Mas politicamente o OE2016 não é inócuo no seu impacto na estabilidade governativa. Não se afigura, por mais demagógicos e retóricos que sejam os discursos do BE e do PCP, por mais pressão e exigência por parte das instituições da União Europeia, o fim do compromisso da maioria de esquerda, nem a instabilidade política e governativa. Bloco de Esquerda e Partido Comunista não repetirão o erro estratégico de 2011 logo no primeiro Orçamento que o Governo que, por acordo, sustentam (mesmo que nele não participem ou que continuem a afirmar que não se identificam com ele). Mas perante um eventual colapso orçamental, perante a incapacidade do Governo de contrariar a pressão do BCE, da União Europeia e das instituições internacionais, mais do que todas as dúvidas económico-financeira que pairam sobre o OE2016 resta saber se no final deste ano BE e PCP terão ainda condições para suportar a estratégica ideológica que delinearam a 4 de outubro de 2015: usar o PS para travar a legitimidade democrática de um governo PSD-CDS vencedor das eleições. O próximo esboço orçamental para 2017 o dirá.
(créditos da foto: António Cotrim LUSA - DN online)