O “fogo amigo” na campanha eleitoral
O que temos assistido nesta última semana é que o aparecimento de determinadas figuras públicas e políticas no palco mediático tem gerado, na opinião pública, um conjunto de circunstâncias e realidades que trazem para o espaço público o avivar da memória de uma má experiência coletiva para os portugueses. O que tem, ainda, provocado um conjunto de “zig-zagues” discursivos e permanentes alterações de retórica que o cavam desconfiança, indiferença e repulsa, para além de, em muitos dos casos, agravarem os seus impactos.
Por mais que o mediatismo político e o foco partidário se centrem na liderança, é óbvio que o líder tem que ser responsável (e responsabilizada) pelo seu papel, mas também pelas afirmações, convicções e ações daqueles que são escolhas validadas e, nalguns casos, pessoais e diretas, de candidatos a deputados e cabeças de lista ou personalidades convidadas a participar nos eventos de campanha. Elas expressam convicções, visões, ideias do mesmo paradigma ideológico, das mesmas propostas e projeto programáticos. Por isso é que são convidadas como candidatos e, por isso, é que são, igualmente, convidadas a participar na campanha e em reforçar a narrativa eleitoral do partido. Se assim não fosse, não seriam escolhas da liderança e ficariam em casa.
No caso do PSD, uma parte da campanha tem sido a gestão, desastrosa e atabalhoada diga-se, não por causa dos “casos e casinhos”, mas antes de várias “coisas e coisinhas” (plagiado do título do artigo de opinião da jornalista Joana Petiz, no jornal O Novo, de ontem).
Deixemos para a edição de amanhã do Diário de Aveiro a aparição sebastiânica de Passos Coelho, porque essa vale por si só. Há mais que chegue e sobre, principalmente para espelhar o desencanto que tem disso a campanha do PSD, a sua inquietude e ansiedade por não convencer o eleitorado e permanecer a dúvida quanto à vitória de 10 de março, a sua necessidade vital de recorrer a tudo e a todos para marcar a diferença. Só que não tem resultado. Aliás, tem demonstrado a fragilidade da liderança, a inconsistência das propostas e de alternativa e desvendado o lado obscuro e pouco claro com que esta recauchutada AD se apresentaria a governar, caso vença as eleições.
As afirmações de Paulo Núncio, n.º 2 do CDS, n.º 4 da lista pelo círculo eleitoral de Lisboa e, independentemente dos resultados, futuro deputado, sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, tudo o que revelou e disse quanto à possibilidade de reverter a legislação e o referendo, não foram opiniões e convicções pessoais, como Luís Montenegro, mal disfarçadamente, quis fazer crer. Paulo Núncio foi taxativo e explicito ao falar em nome da AD. Assim como não colhe a justificação de Montenegro ao dizer que essa temática não faz parte do programa da AD e não está em cima da mesa. Convém recordar todas as promessas que foram anunciadas pelo PSD, em 2011, e não foram, minimamente, cumpridas, bem pelo contrário. E mais… convém lembrar a Montenegro que em 2015, quando a bancada por ele liderada aprovou todo um conjunto de regras e normativos que apenas serviam para bloquear um processo que perderam por vontade da sociedade, apenas serviam para, tal como agora, o retrocesso civilizacional e o atentado às mulheres e aos seus legítimos direito, tudo o que Paulo Núncio acabou por revelar quanto ao que o governo de Passos Coelho e a bancada parlamentar do PSD aprovaram, nada disto fazia parte do programa do Governo de Passos Coelho. E não esquecemos, que foi o próprio Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, que colocou um processo a Paula Teixeira da Cruz por ter quebrado a disciplina de voto e ter votado de forma contrária. Sejamos claros… quer PSD, quer Luís Montenegro não pensam diferente de Paulo Núncio.
E ainda sobre este desrespeito pelas mulheres e um cheiro bafiento a misoginia o que dizer de Luís Filipe Menezes, sempre com muito pouco cuidado discursivo (ainda nos lembramos do “eixo sulista, liberal e elitista” em pleno 17.º congresso, em 1995), ao firmar que Pedro Nuno Santos “só tem olhos para as meninas do Bloco?” É esta a elevação política que o PSD tanto reclama?
Num partido que, recuando aos tempos de Cavaco Silva (que os próprios definem como gloriosos, ao ponto de Luís Filipe Menezes se ter insurgido por quererem comparar António Costa a Cavaco Silva, obviamente que não tem comparação… António Costa é melhor), tratou de aniquilar a agricultura e as pescas em Portugal, sem dó nem piedade, as afirmações gravíssimas do cabeça de lista do círculo eleitoral de Santarém (Eduardo Oliveira e Sousa, 6 anos presidente da CAP – putativo ministro da agricultura) não são pessoais, nem particulares. Expressam, por um lado, o liberalismo que assaltou o PSD, onde o cumprimento de regras e princípios e facilmente substituído por milícias e manifestações, por outro a desvalorização que o PSD sempre votou a agricultura e os agricultores e as questões ambientais. Este negacionismo, que só encontra paralelo na extrema-direita, de um tema tão grave e urgente como são as alterações climáticas (recorde-se o papel que Guterres e a ONU, a União Europeia e o próprio Papa Francisco têm desempenhado pela causa climática) é demasiado preocupante.
Já no caso da escolha de Luís Montenegro para a presença de Durão Barroso no comício em Santa Maria da Feira é, ainda mais, lamentável. E não é apenas pela imagem que fica de um regresso ao passado que os portugueses não desejam. É mesmo pelo que a memória dos portugueses ainda guarda, e bem, de Durão Barroso. Em junho de 2004, abandonou a sua responsabilidade política traindo os portugueses, nomeadamente os que em 2002 o elegeram Primeiro-ministro, para correr até à cadeira do poder da Comissão Europeia (que nada ou muito pouco beneficiou Portugal). Ou importa também recordar que Durão Barroso, enquanto Primeiro-ministro, foi o anfitrião da Cimeira das Lajes, numa das páginas mais controversas e negras da geopolítica portuguesa. Ou que Durão Barroso, por causa da sua contratação extemporânea pela Goldman Sachs, findo o seu segundo mandato à frente da Comissão Europeia, perdeu os privilégios de ser recebido em Bruxelas como um ex-presidente do Executivo comunitário. Se por tudo isto Durão Barroso nunca se arrependeu ou pediu desculpa aos portugueses e a Portugal, não seria agora que iríamos ouvir um pedido de desculpas de Durão Barroso pelo seu papel, enquanto presidente da Comissão Europeia, no empobrecimento dos portugueses ou pelo aumento da dívida pública ao fim de 4 anos (em 2011 situava-se no 97% do PIB para ser, em 2015, muito próxima dos 130% do PIB).
A cereja no topo do bolo, veio hoje, pelos lados da Figueira da Foz com a companhia de Pedro Santana Lopes. Um verdadeiro tratado surrealista da política. É espantoso como o autarca da Figueira da Foz, ex-líder do PSD e ex-primeiro ministro, afirma, sem se rir, “todos sabem onde está o meu coração (partidário)”. Isto vindo de quem saiu do partido para formar a Aliança e concorrer a eleições contra o PSD. Mas não se ficaria por aqui… mais incrédulos ficamos quando Pedro Santana Lopes evoca a demissão de António Costa por causa das “peripécias no Gabinete”, quando a curta (felizmente) governação de Santa Lopes foi uma completa peripécia interna, no seio do PSD e do Governo, o que levou Jorge Sampaio a colocar um ponto final no desgoverno completo do país.
Mas se Luís Montenegro tem o pesadelo de justificar o injustificável nestas “coisas e coisinhas”, a verdade é que o próprio tem também responsabilidades. Deixemos para segundas núpcias: a emigração jovem, a promessa de demissão caso corte pensões, os apoios sociais aos desempregados, as progressões na função pública e o tempo dos professores e o recado de Passos Coelho quanto à dependência do resultado eleitoral do Chega para eventual viabilização do Governo.