O IRS não é apenas uma obrigação fiscal
quando 0,5% pode fazer a diferença
Chegou aquela altura do ano (de 1 de abril a 30 de junho) referente a uma das obrigações fiscais mais agri-doces do nosso sistema fiscal: a entrega da Declaração do IRS.
Dores de cabeça porque o Portal das Finanças está "sobrelotado"...
Dores de cabeça porque há sempre dúvidas no preenchimento do Modelo 3 e respectivos anexos...
Dores de cabeça porque não registámos as facturas atempadamente no "e-fatura"...
Dores de cabeça porque achamos sempre que pagamos demasiado imposto...
Dores de cabeça porque fica sempre a ansiedade da data e do valor do reembolso.
Mas o IRS pode ser mais que isto tudo... pode ser um processo fiscal Solidário.
As regras e o enquadramento legal do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares permitem que o contribuinte possa indicar ao Estado e à Autoridade Tributária que pretende doar (é este o termo indicado) 0,5% do valor liquidado de IRS (Modelo 3, quadro 11).
Grande parte dos portugueses ignora este passo, nalguns casos por desconhecimento, noutros por mera indiferença, ou ainda porque há quem entenda que o valor é baixo ou irrelevante (esquecendo que "grão a grão...").
A verdade é que esta é uma opção que permite ao contribuinte ser, na obrigação fiscal, "dono" da sua vontade contributiva. E só há duas opções: no caso de "abstenção", o Estado arrecada a totalidade do valor liquidado. Caso se escolha a consignação de 0,5% do imposto, esse valor vai directamente para a Entidade, com estatuto de utilidade pública, escolhida: Instituições particulares de solidariedade social (IPSS); Instituições culturais; Pessoas colectivas de fins ambientais; e Instituições religiosas (lista 2020)
E um aspecto importante: isto NÃO AFECTA o reembolso.
Para se ter a noção... um mero exercício prático. de forma muito linear, o contribuinte A tem um valor de IRS Liquidado (depois de descontadas todas as deduções) de 10.000 euros e retenções na fonte no valor de 11.000 euros, resultando num reembolso de 1.000 euros. Caso opte por consignar 0,5% à Entidade "xpto", a Autoridade Tributária (o Fisco) entregará 50 euros (10.000 x 0,5%) à Instituição e ficará com 9.950 euros nos cofres do Estado. Se não houver indicação da consignação, o Estado arrecadará os 10.000 euros.
Através desta "liberdade individual fiscal" qualquer cidadão contribuinte pode aproveitar a entrega do IRS para ser solidário com uma entidade (validada, claro) em particular à sua escolha.
Não custa nada. E com isso pode-se fazer a diferença na vida de quem mais precisa.
Independentemente de outros momentos no ano, de outras acções e oportunidades, há alguns anos, existem três Entidades que têm merecido a minha deferência fiscal: a Associação "Filhos do Coração", fundada pela ex-jornalista da TVI, Alexandra Borges, que resgata crianças do Gana das garras do tráfico humano, devolvendo-lhes sorrisos e razões para viver; a UNICEF, pela defesa dos Direitos das Crianças; e a Amnistia Internacional, pela defesa das mais elementares Liberdades, Garantias e dos Direitos Humanos.
Sendo claro que o projecto "Filhos do Coração", infelizmente, continua necessário e que a Amnistia Internacional, em 2020 (como em muitos anos) não teve "mãos a medir" com a quantidade de casos de atropelo aos Direitos Humanos, este ano há realidades que me direccionam para a UNICEF: dos 9.000 deslocados de Palma, Moçambique, mais de 4.000 são crianças e, de Cabo Delgado, há cerca de 350 mil crianças; em cerca de um mês, o golpe de Estado militar em Myanamar já vitimou perto de 50 crianças; há ainda a tragédia humanitária de milhares de crianças, adolescentes e jovens na fronteira do México com os Estados Unidos; ou ainda as crianças que continuam a morrer afogadas no Mediterrâneo ou nos campos de refugiados e são vítimas da miséria e da fome no continente africano, por exemplo.
Quando o IRS pode fazer 0,5% de tanta diferença.