O lado "b" das regras... e há demasiados "lados b".
(créditos da foto: André Vidigal / Global Imagens, in JN online)
O facto: Fatima Habib, uma atleta da equipa sub-16 feminina do Clube de Basquetebol de Tavira, de origem paquistanesa e de religião muçulmana, foi impedida de disputar um jogo contra o Basquetebol Clube de Albufeira, porque se recusou a despir uma camisola interior de manga comprida, já que a sua religião a impede de mostrar publicamente os braços. Fatima Habib apresentou-se em campo com o equipamento do clube, collants, camisola preta de manga comprida e um lenço na cabeça.
A equipa de arbitragem limitou-se (e apenas isso) a fazer cumprir os regulamentos em vigor, tendo o clube já sido alertado, numa situação anterior, para a questão.
A equipa de arbitragem permitia que a jovem atleta jogasse com collants e o lenço, mas não a camisola preta de manga comprida. Apesar de entender (sempre são 29 anos de experiência treinador de basquetebol) que o argumento usado pelos árbitros para a não autorização do uso da camisola não terá sido o mais lógico: da indumentária apresentada pela jogadora, o que podia criar problemas de integridade física à atleta e às restantes jogadoras seria o lenço e não a camisola de manga comprida. Mas não é isso que importa destacar...
O que importa referir foi o chorrilho de comentários e observações que se seguiram: a facção de acusação de xenofobia, racismo, intolerância... a facção dos que criticaram a atleta e a família pelo uso dos costumes muçulmanos (estando em Portugal).
As regras da FIBA (Federação Internacional de Basquetebol), aplicadas pela Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) nas diversas competições, são gerais, aplicáveis a todos de igual forma, sem qualquer tipo de discriminação, nomeadamente no que diz respeito à religião e credos. Esteve muito bem a FPB que, neste fim de semana, proporcionou à atleta um equipamento homologado pela FIBA para casos semelhantes em todo o mundo e que permitiu a Fatima Habib poder jogar sem qualquer tipo de constrangimento.
Cai, aqui, o argumento extremista (num dos extremos) que acusava a equipa de arbitragem, a Associação de Basquetebol do Algarve e a FPB de xenofobia.
O outro argumento extremista (o do populismo, da pequenês de espírito, do ridículo) é mais preocupante. Seria uma lista bastante grande de "copy paste" de um conjunto de críticas que nem lembrariam ao diabo (só mesmo a alguns dos portugueses pequeninos): «se está em Portugal tem que cumprir as 'normas'(?) sociais portuguesas», «as filhas hão-de vestir biquini», «não gosta ou não quer, que vá para a terra dela», «Portugal é um país católico e não é para esta gentinha» (esta é das melhores)... isto para referir apenas as mais "soft".
Segundo a jovem, esta realidade não é nova; já se tinha deparado com este tipo de circunstâncias também na escola, minimizadas pela firme posição de uma professora que a defendeu publicamente.
Este é o grande problema da inclusão, do respeito, da igualdade e do acolhimento. Este é, perigosamente, o problema de Portugal: somos, cobarde e hipocritamente, anti-racistas, anti-xenófobos e acolhedores.
Acolher, integrar, receber é um processo de respeito mútuo. Um processo de integração respeitando a multiculturalidade, a diferença, as opções de vida do outro. E não querer impor uma vontade, maioritária que seja, o nosso modo de vida, como se fossemos os "donos da verdade e da existência".
Só defendendo integralmente o respeito pela diferença, conseguiremos ter uma sociedade mais justa e mais igualitária.
Enquanto assim não for, aqui, como por esse mundo fora, vão continuar a existir os radicalismos, os extremismos, os refugiados, os conflitos políticos, sociais e religiosos, os atentados terroristas.
A jovem atleta Fatima Habib limitou-se apenas a ser quem era, na diversidade (por sinal perfeitamente aceite) da sua equipa e do seu grupo.
Felizmente, jovens de 14 e 15 anos perceberam muito melhor o que é viver em sociedade do que muitos adultos armados em "arautos da moralidade e dos bons costumes".