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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O lado "escuro" da pandemia

as realidades que passam para o fim da lista da agenda pública

Há mais vida para além da COVID-19, para além das vagas, para além das estatísticas, para além das vacinas e das guerras das farmacêuticas.

Se as orientações e regras necessárias para a mitigação da pandemia merecem o nosso especial cuidado para regressarmos o mais rápido possível à tão desejada normalidade (se é que alguma vez a voltaremos a ter, tal como a conhecíamos até março de 2020), o excessivo foco e centralidade do nosso quotidiano na COVID-19 faz com que os impactos indirectos da pandemia ou o pulsar do dia a dia de outras realidades passem completamente despercebidos.

1. Quo Vadis... Myanmar (Birmânia)
A antiga Birmânia, agora Myanmar, viu os holofotes da política internacional focados no seu território durante mais de duas décadas, muito por força do activismo político de Aung San Suu Kyi que lhe valeu, inclusive, o Nobel da Paz em 1991.
Chegada ao poder, assumindo o cargo de Conselheira do Estado - criado especificamente para si já que, tendo ganho as eleições em 2016, a Constituição birmane não lhe permitia assumir a Presidência do País por ser casada com um estrangeiro - e, simultaneamente, de Ministra das Relações Exteriores, foi alvo de inúmeras críticas internas e externas (houve quem sugerisse ser retirado o Nobel) pela forma como não conseguiu lidar (ou não quis lidar) com a tragédia humana da perseguição étnica e genocídio (725.000 deslocados e 25.000 mortes em 3 anos) do povo Rohingya, no Estado de Rakhine, na região noroeste do país, e a limitação ao legítimo exercício de liberdade de informação com a perseguição a inúmeros jornalistas.
No dia 1 de fevereiro, Myanmar voltou aos palcos da política internacional pelas piores razões. Há quase dois meses o poder caiu no vazio com o Golpe Militar (que destituiu, curiosamente, Aung San Suu Kyi) e os protestos regressaram às ruas, envolvendo confrontos entre oposição e militares, resultando, em cerca de mês e meio, em 60 mortes e 1700 detenções, incluindo mais de 30 jornalistas.

2. Quo Vadis... Moçambique
É lamentável o silêncio e a indiferença com que Portugal (por exemplo, o Presidente da República que diz ter tanto Moçambique no coração) os PALOP e a comunidade internacional vetaram Moçambique.
O norte moçambicano, nomeadamente a região de Cabo Delgado, tem sido, desde há cerca de 2 anos, palco das maiores atrocidades e crimes contra os Direitos Humanos, como crimes de guerra, decapitações, violações, violência física, cadáveres em valas comuns, ..., perpetrados pelo grupo armado Al-Shabaab, pelas próprias forças militares moçambicanas e por empresas de segurança privadas (ligadas à exploração de gás natural e diamantes). Tudo isto apesar dos vários apelos e relatórios publicados, por exemplo, pela Amnistia Internacional (aqui - aqui - aqui).
Este cenário de guerra jihadista e de exploração comercial dos recursos naturais locais já levou ao extermínio de cerca de 2 mil pessoas (muitas das quais crianças barbaramente decapitadas), 670 mil deslocados e quase 1 milhão de pessoas no limiar da fome severa, segundo a Igreja e a ONG "Save the Children", presentes na região.
Cabo Delgado e Moçambique saíram do esquecimento internacional... mas não conseguiram reverter a indiferença do poder político nacional e da comunidade internacional.

3. Quo Vadis... América Central
Infelizmente, há várias crises humanitárias espalhadas por vários cantos do mundo: África, a rota do Mediterrâneo (que teima em não dar tréguas), o Médio Oriente, a Ásia (nomeadamente a própria China com os "centros de reeducação ideológica" para as crianças Uigures). E há, também, a América Central... com a rota de migração para a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Nem a deplorável política migratória imposta por Trump evitou ou estancou esta tragédia humanitária. Só em fevereiro foram detidas cerca de 100 mil migrantes ilegais e chegaram à fronteira americana cerca de 9.500 crianças, adolescentes e jovens, sozinhos, em situações degradáveis, à procura do "american dream". Que mais não seja para fugir à delinquência, à fome, à miséria, à pobreza, à exploração infantil, à violência, ..., que assolam as comunidades da Região Caribe e das Honduras, Guatemala, Nicarágua, El Salvador, Costa Rica ou Panamá. Ou o próprio México.
Entretanto, a Administração Biden herda, da pior Administração da história da governação americana, cerca de 4.000 menores detidos em centros de detenção, sem as mínimas condições humanas.

Nem tudo é COVID... nem a pandemia pode ser o centro do mundo.

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(centro de detenção de migração infantil - créditos: divulgação AFP)