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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O País suspenso... até quinta-feira (4 novembro)

notas de uma improvável audiência presidencial...

Tudo indica que na próxima quinta-feira (4 de novembro) o Presidente da República anunciará a data (a mais "votada" é 16 de janeiro) das eleições legislativas, a menos que tenha algum trunfo na manga - o que não seria nada de estranhar em Marcelo Rebelo de Sousa.

Tal como no chumbo do Orçamento, no passado dia 22 de outubro, em que havia ainda uma ínfima possibilidade de um volte-face político que viabilizasse a proposta do Governo, também, neste caso, há ainda uma ténue hipótese do Presidente da República optar por não realizar as eleições antecipadas. Seria necessário muito jogo de cintura político, nomeadamente num demasiado surreal acordo, mesmo que de "cavalheiros", entre PS/Governo e o PSD. Impossível? obviamente que não. Provável? obviamente que, também, não.
No entanto, como diz o povo, aproveitando o efeito halloween do dia: «eu não acredito em bruxas... mas que las hay, las hay».

Vamos por partes, já que mporta actualizar o que aqui foi referido sobre o chumbo confirmado do Orçamento do Estado para 2022.

PS e Governo...
Há, de facto, dois claros e principais vencedores nesta crise política: António Costa e, naturalmente, o PS.
A opção de António Costa em não se demitir e manter em funções o Governo, dentro do quadro legal de "serviços mínimos governativos" em vigor, transfere para todos os outros actores políticos - Assembleia da República (excluindo desta equação PS e PAN) e Presidente da República - a responsabilidade pela ida dos portugueses às urnas antes do tempo devido.
Não significa, porém, que PS e Governo não tenham qualquer responsabilidade pelo chumbo do OE2022. Têm-na na mesma quota parte que BE e PCP. Para se dançar o tango são necessárias duas pessoas. Num processo negocial não há vencedores nem vencidos... há a repartição de responsabilidades, seja no sucesso ou no insucesso.
Esta crise, alicerçada no inédito chumbo de um Orçamento de Estado na história da democracia portuguesa, tem contornos que importa realçar: não colhe o argumento do 'orçamento mais à esquerda' quando é a própria esquerda a 'cavar-lhe a supultura'; é demagoga e desgastada a imagem da 'melhor proposta orçamental apresentada desde 2015' porque essa foi a retórica usada e repisada, anos após ano; ficou óbvio e claro o efeito 'Mário Centeno' das contas certas cativadas ao cêntimo; e nada iliba o Governo da suspeita de espelhar no OE2022 imposições europeias no âmbito da atribuição das verbas do PRR.
O que garante a imagem positiva que António Costa poderá conseguir junto da opinião pública, e que lhe dá (e ao PS) vantagem na corrida eleitoral, é a disponiblidade do Governo para manter o País a funcionar (minimamente, pelo menos); é a vitimização política pelo réquiem do fim da geringonça que, por norma, resulta em ganhos eleitorais; a descredibilização do BE e do PCP nesta crise; e é, ainda, o pântano partidário vivido à direita, concretamente no CDS e PSD.
Há, para já, um ganho evidente para Costa num pré-balanço desta crise: o descarte de Pedro Nuno Santos como alternativa à liderança dos socialistas.

BE e PCP...
Por mais que bloquistas e comunistas se esforcem por transferir a responsabilidade da dissolução da Assembleia da República para Marcelo Rebelo de Sousa (tem-na por razões Constitucionais), a crise tem a assinatura dos dois partidos. O chumbo do OE2022, o definhar da simbiose parlamentar com o Governo e a noção negativa da relação benefício-custo político duma maioria de esquerda (expressas nos diferentes actos eleitorais desde 2019), tudo somado tinha o mais do que provável e expectável desfecho da dissolução da Assembleia.
Na opinião pública ficará o ónus da ruptura com o projecto da geringonça, a imagem de uma estratégia que teve apenas como principal foco retirar (em 2015) o PSD do poder e não a implementação de uma governação dogmática de esquerda no País. Por mais que venha agora a retórica e o 'sacudir a água do capote' da não necessidade de dissolução da Assembleia da república apenas porque o Orçamento do Estado foi chumbado, a verdade é que a crise foi provocada pela ruptura do projecto da esquerda e da relação de confiança política entre Governo/PS e BE e PCP. Quererem autodesresponsabilizarem-se depois da opção política tomada e assumida de forma tão veemente é, no mínimo, uma enorme falta de coerência e de dignidade política que só encontrará alguma compreensão num hipotético arrependimento tardio. Por outro lado, toda esta retórica sobre a inevitabilidade, ou não, das eleições antecipadas pode ser, para BE e PCP, a frieza da leitura política conjuntural que pode permitir ao PS alcançar a maioria absoluta nas próximas legislativas.
O percurso político descendente desta suposta aliança de esquerda demonstrou que são mais as diferenças programáticas e ideológicas entre PS e BE e PCP, que há muito mais a separá-los do que propriamente a uni-los.
Não se avizinham fáceis as campanhas eleitorais para o BE e o PCP, nos próximos tempos.

A Direita...
Não poderia vir na pior altura esta conjuntura política, principalmente para PSD e CDS.
Para além da duplicação de esforços, da incerteza quanto à liderança e do desvio do foco político, as pressões internas, resultado dos processos eleitorais partidários (congressos e directas) em curso, terão um impacto significativo na campanha eleitoral e, presumivelmente, no desfecho final das eleições.
O estado inqualificável a que chegou o CDS, no pior timing conjuntural, revela o que será o partido em janeiro de 2022. E as alternativas são, praticamente, nulas: apresentar-se sozinho às eleições é um cenário catastrófico e, por outro lado, uma coligação pré-eleitoral com o PSD significa continuar a revelar-se incapaz de se afirmar politicamente (longe vão os tempos da sua fundação e implementação, no pós-25 de abril) mantendo-se 'vivo' na esfera política nacional sempre 'pendurado' em terceiros: com o PS em 1978, com a AD em 80 e 81, e com o PSD em 2002, 2004 e 2011).
Já o PSD, com outras circunstâncias internas, tinha tudo para, pelo menos, poder sonhar com um regresso ao poder. Mas eis que o partido volta a realçar o 'ninho de víboras políticas' que sempre soube cultivar nos seus bastidores e no seu seio.
Fosse Paulo Rangel um verdadeiro social-democrata, com sentido de Estado e com ética política e tudo seria mais fácil para o PSD. Bastava o adiamento das directas e do Congresso para depois do acto eleitoral de janeiro. Habilitava o partido a uma maior capacidade de confronto eleitoral, focado na campanha e na mensagem a transmitir aos seu eleitorado e aos portugueses, com o ganho estratégico do fim e do esvaziamento da geringonça, acrescido da motivação que os resultados das autárquicas trouxeram aos social-democratas.
Depois, seria mais coerente, lógico e compreensível que, numa avaliação do desfecho das próximas legislativas, o PSD pudesse (re)pensar a sua liderança (se for esse o caso e a pertinência). Nesta data, importa uma resolução urgente da crise política, uma recuperação deste tempo perdido (que ainda levará alguns meses... lá para maio haverá proposta de novo Orçamento) e, principalmente, importa o País e os portugueses.
Mas não... é muito mais fácil e apetecível dividir para reinar, colocar a ambição do poder à frente dos interesses do País e do Partido.
Para a Iniciativa Liberal o caminho ainda curto na estruturação e afirmação do partido (as recentes autárquicas 'ofereceram' aos liberais nenhum mandato nos Executivos das 308 Câmaras Municipais e apenas 26 mandatos Municipais em 6.448 possíveis ou 45 lugares nas Assembleias de Freguesia num universo de 26.790 mandatos. Será um 'luta' eleitoral desequilibrada, muito exigente e a requerer muita criatividade comunicacional para o partido de Cotrim Figueirdo.

A Geringonça... versão 3.0
R.I.P., paz à sua alma.
É inevitável o regresso ao ponto de partida da história política dos últimos 6 anos... até 2015.
Façamos o exercício de memória do confronto político durante a campanha eleitoral pós-Troika, as diferenças entre PS e os dois partidos à sua esquerda (BE e PCP) e os respectivos confronto ideológicos e programáticos.
Não houve na génese da aliança à esquerda qualquer sustentação programática e de compromisso que unisse PS, BE e PCP para os destinos do País. Apenas uma estratégia processual e Constitucional (legitimamente, mas conjuntural apenas): a mera soma aritmética do número de deputados eleitos que tinha como objectivo único retirar a possibilidade do PSD se manter na governação e no poder (apesar de ter sido o partido mais votado no processo eleitoral).
Com maior acentuação após as legislativas de 2019 (apesar da 'relação sempre frágil e complicada' desde 2015), a geringonça tinha tudo o que era necessário para, mais cedo ou mais tarde (provavelmente aconteceu mais cedo do que o esperado - legislatura e meia) implodir. Basta recordar as abstenções à esquerda, após negociações exigentes, no OE2020, o voto contra do BE no OE2021 e agora os votos contra no OE2022 do BE e PCP. E por mais que me custe a escrevê-lo e a admiti-lo, não foi por acaso que Cavaco Silva, à data Presidente da República, tinha razão e exigiu a formalização de um acordo escrito entre as partes. Não repetido o processo em 2019, o resultado está à vista: há muito mais a separar PS de BE e PCP (a tal linha vermelha de Mário Soares) do que propriamente a uni-los.
Será, por isso, um interessante exercício de análise política avaliar até que ponto, repetida uma minoria eleitoral, será possível repetir a Geringonça.

O Presidente da República...
Marcelo igual a Marcelo. Já nada nos admira ou espanta.
Diz-nos a sabedoria popular que «tantas vezes o cântaro (de barro) vai à fonte, que um dia deixa lá a asa». Já não era inédita a pressão presidencial com a ameaça de crise política, em contextos orçamentais anteriores. Alguma vez, ano após ano, Marcelo Rebelo de Sousa acabaria por 'partir a asa' à coisa.
Entre telefonemas de 'salvação nacional' para partidos e deputados, idas ao multibanco, jantares a três, audiências aos partidos com assento na Assembleia da República e (dentro de dias) a convocação do Conselho de Estado - pelo meio fica a surreal e inqualificável audiência, em plena crise política nacional, a um candidato à disputa das eleições diretas internas de um partido político (esse tão malfadado vício de Marcelo se meter em tudo e mais alguma coisa) - ao Presidente da República não restavam, na prática e com objectividade, muitas alternativas (embora as houvesse, constitucionalmente).
Podia exigir ao Governo a apresentação, no prazo de 90 dias, de uma nova proposta de Orçamento do Estado? Podia... mas seria um evidente 'tiro no escuro' dada a incompatibilidade negocial entre a esquerda e o Governo. Se até aqui não se entenderam, não havia qualquer garantia de mudança de estratégia, nem de aproximação entre os partidos que poderiam viabilizar o Orçamento.
Podia não dissolver a Assembleia da república, mantendo, com isso, o Governo na sua plenitude de funções, governando com os chamados 'duodécimos' (1/12 do quadro orçamental de 2021 - o atual)? Podia... mas seria um agonizar e um agudizar das relações entre Governo/PS e a Assembleia da República, a estagnação do País e a impossibilidade de aplicação, de forma consistente e eficaz, do apoio comunitário projectado no PRR.
Podia o Presidente da República ser mais comedido e menos expansivo nas suas análises políticas (Marcelo presidente vs Marcelo comentador televisivo), tendo agora margem de manobra para encontrar uma solução alternativa ao processo eleitoral? Podia... mas isso seria contra-natura do próprio. Seria como aquelas crianças hiperactivas e birrentas que quando não se ouvem é de estranhar: ou já fizeram asneira, ou estão doentes.
Resta ao Presidente da República, enquanto garante máximo do funcionamento das Instituições Políticas (legislativa e executiva) e da Democracia e do Estado de Direito, marcar eleições legislativas antecipadas, após a dissolução da Assembleia da República.

A menos que...
Do cenário mais improvável e duvidoso "nasça a luz" (efeitos da proximidade natalícia).
Chamem-lhe o que quiserem para retirar a carga política do chamado "Bloco Central", mas a única alternativa credível e sustentável, face ao bloqueio à esquerda, seria o convite à formalização de um entendimento e acordo (após negociação política) para dois anos, entre PSD e Governo/PS, permitindo, dessa forma, alguma estabilidade governativa, mesmo que temporária (até 2023).
Quer para PSD, quer para PS, seria um esforço político, manifestamente, exigente e, até à data, incoerente com o posicionamento assumido até então no confronto político-partidário. Mas seria importante, muito importante, para o País e para os portugueses.

Até quinta-feira desata-se o nó ao imbróglio do novelo político.

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