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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O presente envenenado

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publicado na edição de hoje, 24 de setembro, do Diário de Aveiro

Debaixo dos Arcos
O presente envenenado

Factos: a notícia que deu conta que a agência Standard & Poor's reviu o rating atribuído a Portugal atribuindo-lhe uma nova notação (BBB-) acima do chamado "lixo" é, objectivamente, uma excelente notícia para o país. Ponto. Podíamos ter ficado por aqui mas a verdade é que a política portuguesa, aliada ao particular momento eleitoral, teima em desvirtuar este importante marco para o crescimento do país e para o alívio da pressão externa sobre a nossa dívida.

Logo após o anúncio da posição da agência a politiquice nacional foi capaz de transformar o que nos devia encher, colectivamente, de orgulho num claro presente envenenado, apenas suavizado pela declaração política de apaziguamento do Presidente da República felicitando todos os partidos pelo feito alcançado.

O uso da demagogia, o recurso à deturpação da realidade e dos factos, não era expectável por parte de António Costa que ainda há alguns meses reconhecia o esforço dos portugueses durante o período de resgate externo quando a União Europeia determinou a saída de Portugal dos Procedimentos por Défice Excessivo. E António Costa sabe bem que não está a ser claro e totalmente verdadeiro. Há um inegável mérito do actual Governo... mas é a própria Standard & Poor's que afirma na sua fundamentação que a decisão assenta igualmente nos resultados da acção do anterior governo durante o programa de ajustamento. Para além de que os fundamentos da Standar & Poor's não esquecem ainda o papel do Banco Central Europeu (para desgosto do BE e do PCP)

António Costa sabe igualmente que esta não é uma notícia pacífica no seio da "geringonça". O recurso retórico ao fim da austeridade não colhe junto da maioria dos portugueses porque é notório que a austeridade não terminou apenas se apresenta com uma outra roupagem. Disso são espelho os principais sectores sociais do Estado, como a educação e a saúde, aos quais podemos juntar a segurança e a justiça.

É, por isso, incompreensível a desvalorização e total negação do Primeiro-ministro do que foi o esforço dos portugueses durante o programa de ajustamento e o desempenho do anterior governo (com todos e os inúmeros erros mas que, apesar disso, deu ao PSD a vitória nas últimas legislativas). Só por manifesta falta de honestidade política é que alguém pode acreditar que a recente alteração da notação da Standard & Poor's se deveu apenas a menos de dois anos de governação. Sejamos, no mínimo, frontais para com os portugueses.

Mas apesar da negação pública da realidade, António Costa sabe que há muito em jogo com a saída de Portugal do "lixo". Há a dívida, os problemas do financiamento e investimento público na saúde e na educação, a sustentabilidade do défice, todo o cuidado para manter esta áurea junto das instituições internacionais e junto da União Europeia quando se torna mais concretizável a hipótese de Mário Centeno assumir a presidência do Eurogrupo.

E sabe igualmente que está muita coisa em jogo para o Orçamento do Estado de 2018 e para as negociações com os parceiros da maioria, sabendo-se a indiferença ou o descontentamento destes perante as agências de rating e a notícia recebida esta semana. Daí que António Costa não tenha perdido tempo a piscar o olho a BE e PCP, tentando colocar alguma água na fervura, adoçar o ego partidário de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa, afirmando que se os dois estivessem no seu lugar teriam feito o mesmo que foi feito para atingir o patamar alcançado. Só que, ao contrário do que acontece com o Primeiro-ministro, o ruído em torno da repartição do mérito não é, de todo, indiferente ao BE e ao PCP. Daí que Catarina Martins tenha respondido a António Costa com claro objectivo de pressionar ainda mais as negociações do OE2018, mesmo correndo o risco de repetir e concordar com Passos Coelho (que afirmou publicamente que se tivesse continuado no governo teria conseguido os objectivos mais cedo). E não é um mero pormenor ou uma minudência a afirmação da coordenadora do Bloco de Esquerda e o recado dirigido a António Costa: "era possível ter ido mais longe. Ficou a faltar o investimento em tanta coisa".

Por último, no meio de tanta euforia governativa, o ministro das Finanças vem refrear os ânimos e fazer com que António Costa sinta e olhe a realidade: Portugal tem a quarta maior dívida, os compromissos e os objectivos orçamentais assumidos com as instituições internacionais são para cumprir. Até porque há um lugar de "ouro" a vagar no Eurogrupo e importa não aborrecer os outros Estados-membros.