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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O sebastianismo político

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Publicado na edição de hoje, 2 de janeiro, do Diário de Aveiro (página 15)

Tem sido um dos pratos fortes do confronto político nesta pré-campanha eleitoral, ou, nalguns casos, da propaganda eleitoralista: o “regresso ao passado político”.
Uma necessidade estratégica sentida, particularmente, à direita (PSD e CDS) face à enorme dificuldade que tem demonstrado em se afirmar, junto dos portugueses e, inclusive, junto do próprio eleitorado, como uma alternativa válida e sustentável de governação.

O PSD já tinha deambulado, em agosto de 2022 (Festa do Pontal) pela ânsia sebastiânica do ídolo Passos Coelho. Basta lembrar todo o mediatismo do lado a lado de Passos Coelho e de Luís Montenegro. Este depressa percebeu que esse regresso, ou a sombra desse regresso, comportava, essencialmente, três erros estratégicos: desviava o foco mediático da liderança do partido; trazia (como ainda traz) à memória da maior dos português o trágico período da Troika (bem mais ‘pesado’ que os tempos da geringonça), o que retiraria dimensão eleitoral; e, por fim, depois de termos sido presenteados em Oeiras, perante uma plateia de alunos do ensino secundário, com a afirmação do «Chega não é um partido antidemocrático e tem toda a legitimidade de existir) foi a altura da confirmação, apesar de ténue e vaga, à porta do tribunal que julga o processo EDP (do ex-ministro Manuel Pinho) deixando como previsível a necessidade de um acordo PSD-Chega em função dos resultados eleitorais para a formação ou viabilização de um Governo à direita.
Passos Coelho será sempre uma pedra no sapato de Luís Montenegro, por mais que o partido o queira disfarçar e negar. É o “seguro de vida político” que o partido guarda e resguarda (o próprio afirmou que este não é o seu tempo) pronto para surgir entre as brumas e o nevoeiro para salvar o partido e o país, face aos possíveis desaires eleitorais que surjam no imediato (regionais nos Açores, legislativas e europeias). Curiosamente, desaires políticos e estratégicos que o próprio Passos Coelho fundou em 2015 (legislativas) e 2017 (autárquicas), ou com o “vem aí o diabo” que nunca surgiu, nem nunca ninguém viu.

A mais recente deambulação sebastiânica do PSD notou-se no último congresso realizado em Almada. Descartada a sombra Passos Coelho, o partido teve o deslumbre estratégico de se mostrar renovado, enérgico e sólido com o recurso (imagine-se a lucidez política) a Cavaco Silva que, juntamente com Manuela Ferreira Leite, foram os únicos ex-presidentes do partido a marcar presença. Mais uma vez, o tiro saiu pela culatra a Montenegro. Foi ofuscado pela sombra mediática interna do ex Primeiro-ministro e ex-Presidente da República que não colhe, nem nunca colheu, qualquer empatia na maioria dos portugueses (bem pelo contrário, como ficou demonstrada nas críticas a um conjunto de banalidades e afirmações que, em tudo, contrariaram o que tinha sido o histórico das opções políticas da governação de Cavaco Silva e do PSD… por exemplo, o caso surreal das “contas certas”).

Mas ainda estaria para vir o maior sôfrego sebastiânico da direita: o regresso da AD.
Nota prévia… a AD teve, no seu momento e espaço próprios, um contributo e um papel importantes na consolidação da democracia em Portugal. É inquestionável. Assim como tudo apontaria para um prolongar do sucesso político para além dos seus curtos 3 ou 4 anos, não fora o trágico acidente (ou atentado) que vitimou Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa.
Mas não tenhamos ilusões… o recente acordo pré-eleitoral entre PSD e CDS para as eleições de 10 de março próximo, por mais que queiram embandeirar a antiga Aliança Democrática, nada tem a ver com a AD (PPD/CDS/PPM) de 1979 a 1983. Nem de longe, nem de perto.
Primeiro, pelo objetivo e projeto. O atual acordo apenas terá como resultado prático a sobrevivência partidária (nem política, sequer) do CDS com a eleição de 2 deputados. Não há nenhuma “mais-valia” política e estratégica neste acordo. Por alguma razão o PSD o tem secundarizado ou desvalorizado.
Segundo, porque o contexto político e democrático de hoje nada tem a ver com os primeiros passos da democracia e o peso ideológico que o confronto político exigia a cada força política à direita, ao centro e à esquerda.
Por último, porque o PSD de Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, solidificado e fundado, em maio de 74, no socialismo social-democrata nada tem a ver com os princípios programáticos e ideológicos em que o PSD se transformou, num descaracterizado liberalismo social e económico. E os portugueses, que não têm uma memória tão curta como normalmente se diz, ainda sabem reconhecer, independentemente das ideologias, os nomes que são história e históricos na nossa democracia, e não irão reconhecer neste acordo qualquer semelhança com a AD. Mais depressa se lembrarão de 2014 e da Aliança Portugal ou, em 2015, da famigerada PàF, o que, em ambos os casos, nada de positivo trazem para o resultado eleitoral.

Perante o que têm sido os dados das sondagens (e valem o que valem, obviamente); perante as inúmeras contradições discursivas de políticas futuras que, num passado bem recente (e já depois de 2015) o próprio partido questionou, criticou e rejeitou; perante promessas sem fundamento, nem sustentabilidade, nas quais os portugueses já pouco acreditam face ao histórico do que foram os compromisso anunciados em 2011 e toda a governação até 2015… o que fica espelhado e presente nos eleitores é que a impreparação e a incapacidade política do PSD se afirmar como alternativa ao legado da governação socialista pós 2015 (mesmo com os erros e com o que ainda ficou – e muito – por fazer) têm levado ao desespero partidário, à inconsistência eleitoral e à radicalização de um discurso político que nenhum benefício trará para o partido, nem para a campanha eleitoral que se vive.
Campanha que, ao contrário do que tem sido voz corrente, não tem nenhum mal que seja dura. Antes pelo contrário, isso faz parte da democracia, do pluralismo e do debate político. Antes assim fosse. O problema é que, até agora, a única coisa que ficou demonstrada é que será uma campanha suja e baixa, de acusação fácil e de mera avaliação de carácter. E de muitos sapos para engolir à direita.

A esquerda e o país agradecerão na hora da contagem final.