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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

O voo polémico

TAP.jpgpublicado na edição de hoje, 17 de junho, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
O voo polémico

Uma política de privatizações ou concessões de empresas e/ou serviços públicos é, numa primeira fase, uma questão ideológica, mesmo que o peso programático tenha vários níveis de aplicabilidade (desde o ultra e radical neoliberalismo aos conceitos mais moderados).

Contrariamente às ideologias da esquerda mais radical, nem tudo tem e deve ser público, gerido pelo Estado. A utopia social de um Estado controlador e “proprietário”, que trata todos por igual (apesar das diferenças), que a todos dá tudo, resulta num Estado falido, numa população nivelada pela pobreza, numa maior diferenciação de classes e uma sociedade mais elitista (por mais paradoxo que possa parecer). A grande responsabilidade do Estado não é a gestão (mesmo que da coisa pública) mas sim a regulamentação e fiscalização. Daí que generalizar todo o tecido social e económico de um país ao confronto ideológico do público vs privado não faz sentido. Há sectores e áreas nas quais encaixa perfeitamente a responsabilidade social do Estado: a educação e a saúde (mesmo que haja, e bem, complementaridade privada); a justiça; a energia (essa, infelizmente, entregue) e a água e o saneamento básico (cada vez mais difíceis de segurar). E quando se refere a responsabilidade do Estado ela pode (e deve, em inúmeras circunstâncias) ser descentralizada, por exemplo, para o Poder Local.

No que respeita aos transportes, sejam eles rodoviário, ferroviário ou aéreo, só mesmo por razões ideológicas é que os mesmos são tidos como “bandeiras de Estado”. Importa notar que Portugal não tem, por exemplo, nenhuma “companhia de bandeira” no sector do transporte marítimo (e nós com tanto mar à frente), apesar de, e muito bem, o Estado ter a gestão portuária. Pena que, no que respeita ao transporte aéreo, não se tenha mantido a gestão dos aeroportos. Portanto, privatizar a TAP só tem de polémico a fundamentação ideológica. Ou melhor… só deveria ter, porque o que aconteceu foi que o processo da venda da TAP foi transposto para o confronto eleitoralista e para a demagogia político-partidária (é bom recordar ao PS o que foram também as suas opções políticas de privatização, nomeadamente no que respeita à TAP; por exemplo, em 2000 (ministro Jorge Coelho, à data) com a Swissair ou no Pacto de Estabilidade e Coesão (PEC IV) 2010-2013).

A TAP, bem ou mal, não foi vendida por 10 milhões de euros (não sei quantos Jorge Jesus) mas sim por cerca de 350 milhões de euros, aos quais acrescem cerca de mil milhões de euros em dívidas e cerca de 500 milhões de euros em capitais negativos. Os 10 milhões correspondem ao encaixe governamental do valor das suas acções. Entre ter uma empresa do Estado, completamente falida, excessivamente suportada pelas contribuições ficais dos cidadãos (sem usufruto directo dos mesmos, pelo menos da maioria) e ceder 61% do seu capital (restando ao Estado Português cerca de 39% com direito a veto e com capacidade para decidir em matérias estratégicas), é caso para podermos afirmar que a TAP foi bem vendida (surpresa é terem dado tanto valor por ela).

Face ao historial de posições políticas e estratégias governativas do PS, a sua actual posição nesta problemática, não abona nada a favor da sua credibilidade e imagem. Não é viável, nem credível, que o PS inverta o processo se for Governo. Não fazem sentido a maioria das críticas à actuação e decisão do Governo de Passos Coelho, nesta matéria, porque o ónus da questão pode facilmente reverter o sentido e levar os portugueses a questionar: o PS de hoje, de António Costa, rasgava todas as posições anteriores sobre a matéria da privatização da TAP? E quais seriam as alternativas ao actual estado da empresa?

Há, no entanto, um dado que importa referir e que o PS bem poderia aproveitar para, de forma mais consistente, ser oposição: o timing da decisão e do processo. Depois de tantas tentativas (social-democratas e socialistas), depois de todos os avanços e recuos que o processo foi sujeito, a poucos meses de um processo eleitoral, qual a pressa de Passos Coelho em fechar o negócio? Isso sim, importa questionar porque, face a tanta polémica gerada, o bom-senso político poderia sugerir o aguardar pelo desfecho eleitoral.