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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

OE2024: do "pipi" a uma "rapidinha" orçamental

Na política nada acontece no vácuo.

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A propósito da aprovação, na generalidade, da proposta de Orçamento do Estado para 2024, assim vai a oposição política nacional.
Ou melhor... para o bem do país e dos portugueses, a direita continua a estender a passadeira ao PS e a esquerda mantém-se saudosista do tempo (ainda bem recente) da "geringonça" que ajudou a fazer cair por responsabilidade própria.

Percebe-se a bondade das propostas contidas no OE2024 pela preocupação presente com as pessoas, as famílias, os mais necessitados, com as empresas e, igualmente, com a economia nacional e a estabilidade das contas públicas, numa altura em que Portugal pode mesmo fixar a dívida abaixo dos 100% do PIB.
Sem descurar as contas certas que colocam Portugal no top europeu da recuperação ou a precaução e prevenção face à instabilidade da economia internacional (agravada com a escalada de duas guerras de impacto global e com a taxa da inflação ainda em valores altos e instáveis, tal como os juros), o OE2024 aumenta os rendimentos dos portugueses (nomeadamente com o maior aumento do salário mínimo alguma vez registado e com o aumento das pensões), aumenta as prestações e os apoios sociais aos mais necessitados, reduz a carga fiscal sobre o rendimento do trabalho (muito acima do que o PSD propunha... e, eventualmente, não esperaria que o Governo o fizesse), aumenta o investimento público alavancado pelo PRR, cria mais condições para o combate à crise na habitação, um plano integrado para que os cuidados primários da saúde possam dar melhor resposta (por exemplo, a quem não tem médico de família), entre outros.
Obviamente que perante os factos, faltam os argumentos e resta o desnorte partidário da ausência de alternativa consistente e o espalhafato político.

A esquerda radical abriga-se no saudosismo da geringonça e no fantasma ideológico de que tudo o que não é público (ou envolve o privado) apenas serve para corromper e fraudar. Como se o Estado fosse um "poço sem fundo", que no limite de 'secar' haverá sempre o recurso à tributação dos lucros e dos proveitos que a economia gera (importantes para o investimento e para a sustentabilidade da mesma economia).
No lado oposto, o anarquismo liberal esgota a função reguladora e coletiva do Estado (estruturado numa sociedade que promove a igualdade de oportunidades), criando um fosso entre os mais fortes e os mais frágeis, e estratificando a sociedade em desigualdades sociais profundas. Para além da forma leviana como foi avaliado o documento: apenas cerca de uma hora após ser entregue a proposta do OE2024 na Assembleia da República, já o Iniciativa Liberal vinha a terreiro criticar a proposta. É um record "Guinnes" de avaliação de um documento com a densidade de um Orçamento do Estado. Uma capacidade política invejável.

Mas percebemo-nos igualmente do valor e da importância deste OE2024 quando o maior partido da oposição tem um líder que principal avaliação relevante que fez do principal instrumento governativo foi a de um documento "pipi" e "bem vestido" (o que, diga-se, até soa a elogio), que vagueia ou deambula entre a (abandonada) bandeira eleitoral da baixa do IRC e o desvio populista na defesa do desagravamento do IRS (que se revelou ser inferior ao previsto neste OE2024), que falha nas previsões catastróficas ou nos permanentes anúncio do "diabo" (como no caso do impacto das pensões em 2024), ou, pior ainda, quando se agarra, com unhas e dentes, ao argumento estratégico populista baseado num dos pontos mais irrisórios do orçamento: o IUC de 24 euros. E percebemos também, quando o maior partido da posição, afastado do centro programático e ideológico e sem saber o que há-de fazer da vida com a tentação de irromper pelos caminhos do liberalismo anti-democracia social, tem um líder da bancada parlamentar que defende as opções económicas do BCE e do permanente aumento dos juros que tantas dificuldades têm criado às famílias, às empresas e às economias nacionais. E um partido que tem, no universo da sua representatividade parlamentar europeia, deputados eleitos pelos cidadãos portugueses cujo foco principal da sua ação na UE é encontrar, por tudo e por nada, forma do país ser condenado ou criticado pelas suas políticas.

Não é por isso de estranhar que a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2024 tenha silenciado a direita, tenha desfeito todo o contraditório e os argumentos que pudessem beliscar o OE2024. Em parte... porque a direita, com uma enorme azia política, agarrou-se, mais uma vez, à quezília partidária para poder criticar o Governo já que não o consegue fazer em relação às políticas governativas.

A escolha de João Galamba, o ministro "mal amado" das Infraestruturas, para o encerramento do debate parlamentar.
A direita, qual "virgem ofendida" e advogada (quando interessa) de defesa da honra do Presidente da República, criticou prontamente António Costa, entendendo que tal foi uma atitude provocatória.

Tomando a liberdade de usar a expressão do Secretário-geral da ONU, António Guterres (com a qual continuo a discordar... mas isso são outros 'quinhentos') sobre a guerra na Faixa de Gaza, também na política nada surge do vácuo. O mesmo significa que na política o que parece, é!
Ou seja, a escolha de João Galamba para o discurso de encerramento não foi inócua. Antes pelo contrário, até pelo fator surpresa, pelo inimaginável, foi, acima de tudo, um inquestionável golpe de génio político por parte de António Costa.
Convém não esquecer. Ao Presidente da República cabe a responsabilidade de garantir o funcionamento do Estado de Direito. Ao Governo cabe a responsabilidade de governar e cabe, igualmente, ao Primeiro-ministro a responsabilidade de escolher e gerir o seu "quadro governativo" (os seus ministros).
O estado de alma de Marcelo Rebelo de Sousa em relação às escolhas ministeriais são um problema pessoal, não são, nem devem ser, um problema institucional ou presidencial. Ou seja, não faz qualquer sentido, nem tem qualquer valor político, esta embirração do Presidente da República em relação à escolha de João Galamba para ministro, quando, por exemplo, nunca colocou em causa a sua prestação enquanto Secretário de Estado.
Mas o Presidente da República tem este condão de gostar de opinar e de se meter em tudo e mais um par de botas, mesmo não lhe cabendo qualquer responsabilidade.

Depois de tudo o que João Galamba passou na Comissão Parlamentar da TAP (que tentou liquidar politicamente o ministro, muito para além do que era o objetivo e universo da comissão), depois do veto presidencial ao dossier da TAP e das suas posições públicas, de Marcelo Rebelo de Sousa questionar permanente a ação do Governo e de assumir o papel político que caberia à oposição (se soubessem e tivessem mestria e engenho para tal), António Costa não podia deixar de marcar pontos e um forte posicionamento face ao momento e ao contexto político, aproveitando ainda (tal como o ministro João Galamba  no seu discurso) o facto do próprio Marcelo Rebelo de Sousa ter adjetivado a proposta de Orçamento do Estado como um "Orçamento realista e bom" e um "Orçamento que segue a única estratégia possível” (algo que a oposição, nomeadamente o PSD, por pura memória seletiva fez por esquecer e não comentar).

Sim... até nisto António Costa soube (mais uma vez) superar a oposição. Soube fazer política.
Soube demonstrar a quem cabe a responsabilidade de Governar, a quem cabe a responsabilidade de gerir a sua equipa governativa e fazer as escolhas ministeriais, soube demonstrar que, perante as dificuldades, há uma clara coesão governativa. E, principalmente, soube demonstrar quais são as responsabilidades e quais os princípios de legitimidade e autonomia que cabem a S. Bento e a Belém.

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