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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

OE2025 a reviver OE1012: a abstenção violenta

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A expressão “abstenção violenta” marcou a abstenção do Partido Socialista na votação do Orçamento de Estado (OE) para 2012, em plena Troika. À data era Secretário-Geral do PS, António José Seguro, e Pedro Nuno Santos abdicava do seu lugar na direção do Grupo Parlamentar (liderado por Carlos Zorrinho), em total desacordo com o sentido de voto definido (entendia que o PS devia votar contra). A conflitualidade interna no partido e as críticas à liderança de António José Seguro deram lugar à ascensão de António Costa à liderança dos socialistas, durante uma década (2014 a 2024). É nesse período complexo para o PS (2012-2014) que se conhece uma frase (mais uma) emblemática de António Costa: "Há uma coisa que os cidadãos não perdoam aos políticos: os jogos floreados e a duplicidade. Não há abstenções violentas. Toda a abstenção é uma fraqueza".
É evidente que os contextos e os tempos (já lá vão 12 anos) alteram e moldam, com toda a naturalidade e legitimidade, as opções, embora, ressalve-se, tal como afirmou Pedro Nuno Santos há uma semana, nunca os princípios ou as convicções. E é sobre princípios e convicções que importa refletir sobre a posição anunciada por Pedro Nuno Santos, na quinta-feira passada, sobre a abstenção do PS na votação do OE2025. Tendo em conta que qualquer partido deve assentar nas suas bases (e, de todo, menorizá-las) não é clara uma concordância abrangente de parte significativa do eleitorado do PS com a decisão anunciada. Importa recordar que nas eleições de março deste ano foram cerca de 1.812.469 votos expressos no PS (apenas menos cerca de 54 mil que a AD).

Não se trata de personificar a discordância com este sentido de voto no desempenho e no papel de Pedro Nuno na liderança socialista. Não é a liderança que está em causa. O que não invalida que, tal como eu, alguns dos mais de 1,8 milhões de votantes se sintam desiludidos com a decisão e esperariam o voto contra na votação do OE2025.

Não faz sentido que, no início do mês, ainda com o processo negocial em curso (e em resposta aos estados de alma do Presidente da República) Pedro Nuno Santos, e muito bem, tenha afirmado que preferiria perder eleições a defender as convicções, do que abdicar das convicções para evitar eleições com medo de as perder”, para, na hora da verdade, viabilizar a sua aprovação, após um processo negocial mais pantanoso que se imaginava (e que se veio a revelar com a “birrinha” entre Governo e Chega), perante toda narrativa e todas as críticas à proposta e perspetiva de Orçamento. Não fez sentido e, mais ainda, afigurou-se uma opção incoerente.

Politicamente, a abstenção e a consequente validação do Orçamento resultarão na continuidade desta governação que tem sido tão contestada e, ainda, a tábua de salvação para a perpetuação da representatividade legislativa e na democracia de 50 deputados da extrema-direita. Luís Montenegro assegura o poder (por mais frágil que seja) e André Ventura assegura o “emprego” a, eventualmente, metade dos seus acólitos partidários.
Em termos partidários, 1,8 milhões de portugueses expressaram o desejo das propostas e do programa do PS serem o melhor caminho para o país. Se desejassem ver concretizadas as opções do PSD tinham-no feito através do voto, em março. Além disso, mesmo com a abstenção, por mais que o PS diga que este Orçamento não presta e não serve os portugueses e o país, ficará, politicamente, amarrado a ele.
Democraticamente, não é tão linear que evitar uma hipotética crise política ou aprovar um mau orçamento seja preferível à legitimidade dos cidadãos exercerem o seu direito e dever cívico de voto. A dinâmica democrática assenta sempre nesse princípio: a vontade expressa do povo. E não é o povo que tem medo das eleições (de votar), independentemente da frequência dos processos eleitorais. Pelos vistos são os partidos que demonstram uma enorme ansiedade com os possíveis resultados das eleições.

Por último, e não menos importante, não será fácil a muitos dos portugueses perceber uma opção que, contrariamente a toda a narrativa e discursos proferidos, valide um instrumento fundamental em qualquer processo de governação que prejudica o país, a economia, as empresas, os jovens, as famílias, os idosos, o poder local… os portugueses.
Não faz sentido e isto não é sentido de Estado. Sentido de Estado é defender os portugueses e o país, nem que se percam eleições em defesa das convicções.

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