Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Os chocolates amargos e a rosas murchas, dos "valetins" e das "valentinas"

Violencia no Namoro ().jpg
(fonte: Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, 2017)

Não tenho nada contra as efemérides e os chamados “dias de…”, antes pelo contrário. Acho que o assinalar determinadas datas e marcos relevantes pode ser um fator de sensibilização social, humanitária e política importante para as dinâmicas da sociedade.

Feito o introito, o mesmo já não se pode dizer quando o mercantilismo transforma o dia numa mera máquina comercial.

O caso do denominado “Dia dos Namorados” é, já há longos anos, disso sintomático: coraçõezinhos, peluches, rosinhas, perfumes, anéis e afins, chocolates de todas as formas e feitios, com poemas, luares e pôr-de-sol (alguns até musicados), são a marca marketizada deste dia. Um dia de jantares à luz das velas (pelo dobro do preço habitual), de sonhos cor-de-rosa, pintados a vermelho.

O romantismo é errado? Não, de todo. Principalmente para quem aprecia ou o assume.
Mas quando o romantismo é mistificado e irrealista, soa a falso e a ilusório.
E tal como em tantos outros contextos (basta recordar o que representa a época natalícia ou o dia da mulher, por exemplo, ou no que se transformou o importado halloween) a comemoração ou o assinalar de uma determinada data perde todo o seu pragmatismo.
Por muitos anéis, colares, perfumes, rosas, chocolates ou jantares, nada “(a)paga” a realidade.

O recente relatório da PSP, divulgado hoje, no âmbito da campanha "No Namoro Não Há Guerra", revela que em 5 anos, no período entre 2019 e 2023 (2024 ainda não tem os dados consolidados), foram recebidas 9.923 denúncias por violência no namoro.
Em 2023, dos 1.393 registos, mais de metade das vítimas (55%) tinha entre 25 e 44 anos, 28% menos de 25 e 17% mais de 45. Destas vítimas, 78% (1063) eram mulheres. Entre as 1.363 situações denunciadas, 916 ocorreram no âmbito de relações em curso e 447 em contexto de violência entre ex-namorados. Além de agressões físicas e sexuais e de ofensas e ameaças, também o controlo da forma como o parceiro ou parceira se vestem ou com quem se relacionam constituem situações de violência.

Já a GNR promove a campanha “Estamos cá para te ajudar” e revela dados, neste caso, de 2024. Nesse ano foram registados 1.592 crimes de violência no namoro, mais 95 que em 2023 (1.497).

Também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou, no ano passado, 1.023 vítimas de violência no namoro, das quais 322 pediram ajuda enquanto ainda estavam na relação e 691 vítimas recorreram ao apoio após o fim da relação. A maioria das vítimas são mulheres (87,7%) com idades entre os 25 e os 34 anos.
E para aqueles que (absurdamente) acham importante o contexto da nacionalidade, o relatório da APAV revela que 65,1% das vítimas que pediram ajuda durante a relação são de nacionalidade portuguesa e 22% estrangeira. E relativamente às vítimas que procuraram auxílio após o fim da relação, 71,7% eram de nacionalidade portuguesa e 18,5% estrangeira.

Se olharmos para a globalidade dos registos, 2024 (2023, no caso da PSP), ocorreram mais de 4.000 crimes de violência em contexto de namoro.
Não se trata de perceções e muito menos de “insegurança migratória”. É uma condenável e indesejada realidade com sabor a “chocolate amargo” e “rosas murchas”. Ponham lá os corações vermelhos que quiserem, é algo preocupante.
Assim como o é o facto de, em cerca de um mês, terem sido mortas 5 mulheres em contexto de violência doméstica.

Os verdadeiros problemas de insegurança, sem eufemismos e “perceções”.