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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Os fantasmas populistas sobre imigração

André Ventura referendo imigração chumbado (17O

A Assembleia da República rejeitou, por esmagadora maioria (com exceção para o proponente Chega), a iniciativa parlamentar da extrema-direita (Projeto de Resolução n.º 263/XVI/1) para apresentação ao Presidente da República de uma proposta de referendo sobre imigração, prevendo a introdução de quotas anuais de entrada de imigrantes em Portugal. 180 votos contra (PSD, PS, IL, BE, Livre, PCP e PAN) e 50 votos a favor, num “pleno” de presenças em Plenário.
Tal como seria expectável, e como referido no debate de apreciação e votação da proposta (por exemplo, pela deputada Isabel Moreira), a iniciativa parlamentar teria este desfecho, com mais ou menos votos contra, seja pela sua inconstitucionalidade, pelo seu irrealismo e por todo o expediente que estava subjacente à mesma (sujeitar a aprovação do Orçamento do Estado para 2025 à aprovação deste Projeto de Resolução). Até mesmo o Presidente da República tinha já votado ao insucesso a proposta.

É mais que óbvio que o objetivo não era o referendo em si mesmo, até porque o próprio proponente saberia que não era política e constitucionalmente fundamentado.
O objetivo da extrema-direita foi o de retomar a sua agenda populista, racista e xenófoba, desumana porque ofensiva dos direitos humanos, falaciosa nos seus fundamentos e sustentação.
E porque já chega de lançar mentiras, realidades paralelas ou teorias da conspiração, importa desmistificar o “fantasma” da imigração.

O “fantasma populista” do desemprego.
Uma das grandes bandeiras extremistas é que os imigrantes vêm “roubar” o emprego aos portugueses.
Ora com a taxa de desemprego estabilizada (6,1% no 1.º semestre de 2024) e o valor do emprego alto (mais de 5 milhões de portugueses empregados) não há impacto da imigração neste contexto. O que há é setores profissionais, da economia, que necessitam de mão-de-obra, carência que tem sido colmatada pela imigração (construção, turismo, agricultura ou as pescas) já que os portugueses têm recusado essas funções (por norma, sazonais, precárias e de baixo rendimento).
E mesmo quanto à qualificação ou à baixa qualificação dos imigrantes, só como exemplo, o SNS incorporava, em 2023, perto de 4.000 profissionais da saúde estrangeiros (entre médicos, enfermeiros e assistentes).

O “fantasma populista” da remuneração e da contribuição.
No seguimento da “fantasia” anterior, levanta-se a dúvida, pela narrativa extremista, que os imigrantes vêm “tirar” rendimento aos portugueses e usufruir de benefícios sociais (segurança social) para os quais não contribuem (descontam). Nada mais falacioso e falso.
O valor do salário médio dos trabalhadores imigrantes rondou, em 2023, os 775,00€, sendo que, no mesmo ano, o valor do salário bruto mensal, em Portugal, situou-se acima dos 1.500,00€.
Além disso, em 2023 os imigrantes contribuíram com mais de 1,860 mil milhões de euros para a Segurança Social e usufruíram de benefícios sociais num valor que rondou os 260 milhões euros em prestações sociais, registando-se um saldo positivo em cerca de 1,6 mil milhões.
É por isso mera demagogia falsa e populista que os imigrantes vivem de subsídios. Antes pelo contrário, têm sido bem mais contributivos para aquilo que beneficiam.

O “fantasma populista” da segurança e criminalidade.
São vários os estudos e os dados que refutam este contexto imaginário no universo da extrema-direita.
Portugal é um dos países mais seguros: 7.º país mais seguro do mundo e 4.º na União Europeia.
Por outro lado, o relatório anual de segurança interna (RASI 2023) demonstra que não há uma relação entre criminalidade e imigração. Basta ver, por exemplo, que em cada 6 reclusos, 5 são portugueses e apenas 1 é estrangeiro (e não necessariamente resultado da “onda” de imigração criticada pela extrema-direita).
O que o RASI 2023 relata, curiosamente, é a preocupação com o aumento dos grupos de extrema-direita, racistas e neonazis em Portugal, e o aumento, isso sim, da criminalidade e da violência contra os imigrantes/estrangeiros (por exemplo, tráfico humano, tráfico de pessoas, exploração, imigração ilegal e crimes de ódio (étnico ou racial)).

O “fantasma populista” da subsidiação ao asilo.
Recentemente, André Ventura veio, publicamente, insurgir-se com o facto de Portugal “pagar casa, alimentação e subsídios a requerentes de asilo”. Ora, a condição de imigrante, a todos os níveis, não é, em si mesma, no caso português, uma condição livre, por opção consciente e racional. Mas sim, fruto de contextos que colocam em risco a sobrevivência (fome, alterações climáticas, guerra e conflitos, perseguição, etc.). No caso da especificidade do asilo, Portugal dispõe da União Europeia, ao abrigo do Programa do Fundo para o Asilo, Migração e Integração 2021-2027, de 74,5 milhões de euros para a migração. Fundos europeus.

Por último, para além de todas as razões humanitárias (Direitos Humanos), económicas, sociais, há ainda a acrescentar a relevância que a imigração tem para o rejuvenescimento demográfico do país (que se reflete na natalidade, na produtividade e na contribuição social para as pensões, fruto do rendimento coletável).
Se não fossem os imigrantes, o país estaria com menos gente e estaria mais envelhecido: em Portugal há 186 velhos (> 65 anos) por cada 100 jovens (< 14 anos).
No final do ano anterior, nasceram perto de 19 mil bebés, filhos de mães estrangeiras. Mas os “teóricos conspirativos da mudança étnica ou racial” não rasguem já as vestes: nasceram 67 crianças filhas de mães portuguesas.

Mais uma vez, sobre o “mito” das “portas escancaradas”, Portugal não tem um problema com a imigração. Portugal tem é um problema com as políticas de acolhimento e de integração dos imigrantes e a forma, cultural, moral e social, como abraçamos quem nos procura, seja por vontade própria, seja pelo desespero da vida.

(fontes: Assembleia da República, INE, Banco de Portugal e o trabalho jornalístico “os 8 mitos sobre a imigração”, da CNN Portugal, assinado pelo Pedro Santos Guerreiro).