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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Os votos que atravessam o Atlântico

os eventuais reflexos nacionais das eleições regionais nos Açores

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Publicado na edição de hoje, 22 de janeiro, do Diário de Aveiro (página 15)

As Eleições Legislativas Regionais dos Açores agendadas para daqui a duas semanas, no dia 4 de fevereiro, são, na atual conjuntura política nacional, mais do que um processo eleitoral tradicional (para não dizer, normal). Por norma, os processos eleitorais valem por si só, são particulares e específicos nos seus objetivos e esgotam-se nos seus resultados finais.
Só que o atual contexto político é tudo menos “normal”. Aliás, antes pelo contrário. É um ciclo político complexo e exigente, quer pela conjuntura criada pela crise política do final do ano de 2023 (nacional e regional), quer pelo volume de processos eleitorais muito próximos (em fevereiro nos Açores; em março as legislativas e em junho as europeias), quer pelo facto da democracia e os seus valores e princípios serem colocados à prova e à mercê da responsabilidade cívica dos cidadãos.

Enquadrado nesta realidade, este processo eleitoral legislativo para a escolha dos titulares dos 57 lugares da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ultrapassa o arquipélago, vai mais longe da vontade expressa no voto a que têm direito os quase 230 mil eleitores, repartidos pelas nove ilhas.
É indiscutível que as eleições regionais de 4 de fevereiro poderão não ter uma projeção nacional, mas os seus resultados terão impacto, pelo menos, na campanha eleitoral das Legislativas de 10 de março.
Por três razões fundamentais.

Primeiro, a leitura dos resultados permitirá alavancar e ganhar sinergias e uma maior motivação para a campanha nacional do partido vencedor. Afigura-se como óbvio e natural que a vitória nas eleições regionais irá galvanizar o partido vencedor e o respetivo universo de militantes e, eventualmente, permitir conquistar indecisos e eleitorado flutuante.
Por outro lado, as correspondentes derrotas, por mais desvalorizadas que possam ser (e são-no, quase sempre, na retórica política) vão exigir um maior foco, uma maior exigência e, provavelmente, mudanças estratégicas das direções de campanha e na narrativa eleitoral das lideranças políticas.

Segundo, por mais que o populismo discursivo de Luís Montenegro queira alterar o curso dos factos e da história, o Governo Regional dos Açores (coligação PSD/CDS/PPM formada em 2020), assente num acordo parlamentar tripartido entre a Coligação, o IL e o Chega, caiu sem qualquer responsabilidade do Partido Socialista. A dissolução da Assembleia Regional é resultado quer de uma má governação, quer pelo facto do Chega e do IL terem rompido o acordo firmado por entenderem que o Governo não cumpriu os seus pressupostos. É, por isso, evidente que os açorianos vão ser chamados às urnas por responsabilidade inequívoca do Governo e dos deputados/partidos que asseguravam a maioria governativa. Pelo não cumprimento, segundo os subscritores do acordo, dos princípios e compromissos estabelecidos por parte do Governo Regional. A verdade é que não existiu confiança institucional e política entre os vários parceiros: coligação governativa, IL e Chega.
Aliás, não foi por acaso que, tomando o contexto açoriano como exemplo, o PSD Madeira (apesar do flic flac político) deixou de lado qualquer acordo com o Chega e com o IL para assegurar a governabilidade na Madeira e preferiu, com alguma polémica à mistura, um acordo com o PAN. Diga-se, em abono da verdade, de forma coerente com o princípio estabelecido de não pisar a linha vermelha estabelecida em relação ao extremismo do Chega.

Terceiro, por último e não menos relevante.
Mesmo que a crise política regional nos Açores perspetive o possível regresso do PS à governação da Região Autónoma, pelos resultados eleitorais de 2020 não é previsível a conquista de uma maioria. Embora, naturalmente, tudo esteja também condicionado e dependente da forma como se desenrolar a campanha eleitoral.
Neste sentido, o que se afigura como mais plausível será a necessidade de acordos pós-eleitorais que permitam a governabilidade após o dia 4 de fevereiro. E é nesta vertente que estas eleições terão também projeção nacional.
Caso o Partido Socialista não obtenha uma maioria absoluta, resta perceber que relação de forças e acordos serão estabelecidos e que reflexo terão na campanha para as legislativas nacionais de 10 de março. Nomeadamente, percebermos até que ponto a coligação desta “recauchutada” AD manterá o compromisso de exclusão do Chega, caso a relação de forças, em função dos resultados, fique refém do somatório dos votos para garantir uma maioria governativa à direita. Ou se, por outro lado, a AD assumirá a responsabilidade política e a ética democrática de viabilizar um governo minoritário do PS.
Mais ainda… percebermos se a AD não se esconde, mais uma vez, na camuflagem política da “autonomia regional”, que dá sempre muito jeito para justificar o injustificável, para sustentar a incoerência partidária e romper com os princípios anunciados.
Porque se tal acontecer, nada assegura que o PSD não possa fazer o mesmo após 10 de março, em igual contexto e realidade nacional.
O que será uma enorme “fraude eleitoral”, o defraudar da ética política e a promoção de um atentado e uma ofensa à democracia e à estabilidade do país.