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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Outro rescaldo eleitoral: a hora dos Abutres

rui-rio-termina-campanha-com-portugal-em-primeiro.

Há uma vontade enorme de gritar BASTA… para não dizer “Chega” que, na conjuntura actual, pode ser foneticamente mal interpretado (ou pessimamente interpretado).

Os factos… a noite/madrugada do passado domingo revelou algo inquestionável, algo que nem Rui Rio colocou em causa: o PSD perdeu as eleições legislativas 2019.
Não há qualquer dúvida: o PSD obteve 27,9% dos votos expressos e o PS 36,65% (falta apenas contabilizar os votos da emigração).
Importa, no entanto, ler, politicamente, esse resultado social-democrata.

Pesava sobre o partido o recente resultado eleitoral europeu, volvidos pouco mais de 4 meses de intervalo: 727.207 votos e a perda de um mandato. Em relação às últimas legislativas (2015), a comparação pode ficar enviesada, já que nesse acto eleitoral o PSD apresentou-se a sufrágio numa coligação pré-eleitoral com o CDS.
Mas a verdade é que descontando o peso eleitoral (perdido, e muito) do CDS, o número de votos conquistados, pelo PSD, no passado dia 6 de outubro (quase 1 milhão e 500 mil de votos) não difere muito do valor de 2009, de 2015 e é bem superior ao de maio passado.

Num partido que amiúde agita a bandeira da sua história política e ideológica, nomeadamente com o uso (e abuso) da figura de Sá Carneiro, é importante relembrar também a história mais recente. Rui Rio conquista a liderança do PSD em fevereiro de 2018 (pouco mais de ano e meio) com a capacidade de devolver o partido à sua génese ideológica, perdida desde o final de 2004 com a surreal chegada de Santana Lopes à presidência, e durante a vigência de Passos Coelho até ao início de 2018.

Há ainda uma outra história por escrever e destacar. Houve, no PSD, três erros estratégicos, politicamente desastrosos, que marcaram o rumo do partido e condicionaram a actual conjuntura política: em 2011, face ao descalabro e afundamento do país com a governação socialista de José Sócrates, o PSD nunca devia ter embarcado na ânsia desenfreada de conquistar o poder. Sendo assumido até pela própria esquerda (caso do BE) que a responsabilidade do estado do país se devia à má governação de José Sócrates, sendo inevitável o resgate externo ao país, deveria ter sido o PS a assumir o compromisso de implementar o “caderno de encargos” externo para resgatar a situação económica e social nacional. Além disso, a obsessão por ir “mais além da Troika”, pela cedência fácil a um certo neo-liberalismo que invadiu o partido nesse período, deixaram marcas na governação e nas eleições de 2015 (essas, ao contrário do que diz agora Luís Montenegro, tinham todas as condições para serem ganhas, aproveitando o efeito político e social da “saída limpa” e com mérito de 2014). E, por último, correndo todos os riscos do politicamente incorrecto (é para o lado que durmo melhor) convém desmitificar, de uma vez por todas, esse resultado eleitoral. Ao contrário do que permanentemente agitamos no partido, o PSD não venceu as eleições de 2015. Dois factos óbvios e claros: primeiro, o partido apresentou-se a eleições numa coligação pré-eleitoral (PSD/CDS = a PàF); segundo, os votos conquistados pelos dois partidos (na prática representa sempre o somatório de duas forças partidárias) não atingiram a maioria. E foi nesta conjuntura que perdemos a governação para a esquerda. Não vale a pena continuar a alimentar mitos.

Mas regressemos a 6 de outubro de 2019…
É pura demagogia e politicamente desonesto afirmar que o resultado alcançado por Rui Rio nestas últimas legislativas é, historicamente, o pior resultado de sempre do PSD, tendo como base a percentagem alcançada (27,9%). As percentagens não podem servir como padrão de comparação porque elas dependem, exclusivamente, das condicionantes de cada eleição individualmente: o número de inscritos, o número de votantes, os votos brancos e nulos, a abstenção. E estes dados que estabelecem cada percentagem eleitoral não são repetíveis de acto eleitoral para acto eleitoral. É, por isso, um argumento falacioso e que distorce a realidade.
Porque a realidade do desfecho das Legislativas de 2019 foi bem descrita por Rui Rio na noite eleitoral do passado domingo: o resultado ultrapassou as expectativas e todos os quadros negros e catastróficos anunciados durante a pré e a campanha; o resultado não difere dos valores conquistados em eleições nas quais o PSD não venceu; o resultado estava, previamente, condicionado ao confronto com uma conjuntura política saída das eleições de 2015 e da conjuntura económica internacional que favoreceu a estabilidade governativa do PS e da geringonça.
Mas o resultado do PSD, a 6 de outubro, ainda sustenta uma outra realidade importante (ou, até mesmo, mais importante). Não há memória de uma contestação interna tão assumidamente pública e constante à liderança do partido, que nem a tradicional união face à vivência de actos eleitorais fez esbater. O ressabiamento da perda das directas em 2018 e de quem não sabe aceitar uma derrota; o infeliz saudosismo passista; a “orfandade” gerada pelo abandono do líder da alternativa a Rui Rio, em 2018 (Santana Lopes); a perda do carreirismo político no aparelhismo partidário, de muitos tachos e negócios; a não percepção e a não aceitação da mudança (necessária e urgente, na altura) de ciclo na vida do partido; a “inveja política” pela liderança de Rui Rio marcada pela coerência, pelo rigor, por um discurso mais próximo dos portugueses e menos “politiquês”, por uma afirmação que dispensa o alarmismo (afinal o diabo não chegou), o ataque fácil e a “gritaria mediática” (basta lembrar o fraco registo do CDS nestes 4 anos e o resultado final); a redefinição e o reposicionamento ideológico do partido com a chegada de Rui Rio e que tantas amarguras (ou amargos de boca e azia, se preferirmos) trouxe aos conservadoristas e neo-liberais que minaram os últimos anos do PSD…
(tudo isto) desperta o permanente pairar dos “abutres políticos”, tão sedentos do poder (porque o poder no PSD é, manifestamente, apetecível), e que teimam em sobrevoar a liderança mal lhes toca um leve, mesmo que muito ligeiro, cheirinho a fragilidade ou insucesso. Os mesmos que necessitaram de demonstrar “prova de vida política” ao surgirem, hipocritamente, na campanha eleitoral, em supostos e questionáveis contributos solidários.

A que triste estado chegou a oposição interna no partido que ilegitimamente fala em nome das bases, quando essas bases, maioritária e democraticamente, se expressaram e pronunciaram há pouco mais de ano e meio.
A que triste estado chegou a oposição interna no partido que tanto apelo faz à união e à unidade demonstrando uma total incoerência com os seus actos. Os mesmos que rasgaram as vestes e atacaram António Costa no confronto deste com António José Seguro (lembram-se??!!).
A que triste estado chegou a oposição interna no partido quando, desonrosamente, invoca o nome de Francisco Sá Carneiro em vão desvirtuando o posicionamento ideológico do PSD como um partido do centro, social-democrata e humanista, e não um qualquer CDS alaranjado, um conservadorista Aliança ou um liberal Iniciativa.

Se for para dar um enorme e colossal passo à rectaguarda, se for para entregar a condução do partido a “montenegros”, “hugos soares”, “relvas”, "pedros duarte", “miguéis morgados”, “pintos luz”, “teresas morais”… façam favor. É da maneira que poupo 12 euros por ano.

Mas para esses... BASTA!
Rui Rio tem todo o direito a liderar o PSD: porque foi eleito, porque foi a escolha da maioria dos sociais-democratas, pelo que trouxe (de novo) ao partido, pelo que fez neste ano e meio e pelos resultados eleitorais que alcançou.