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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Para uma entrada é preciso uma saída.

presidenciais 2016 logo.jpgpublicado na edição de hoje, 27 de janeiro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Para uma entrada é preciso uma saída.

Há uma mudança do inquilino do Palácio de Belém, mais dia, menos dia. As eleições presidenciais do passado domingo decidiram, logo à primeira volta, quem iria substituir Cavaco Silva no mais alto cargo político da nação. A maioria dos portugueses que votaram no passado domingo escolheu Marcelo Rebelo de Sousa para a presidência de Portugal nos próximos cinco anos. Mas para que Marcelo possa ocupar Belém é necessário que Cavaco Silva cesse as suas funções. E sobre estas funções, nestes dez anos, importa referir que, para muitos portugueses, Cavaco Silva não deixa saudades. A história da democracia portuguesa não regista, nestes quase 42 anos, uma animosidade tão grande em relação a actuação de um Presidente da República como no caso de Cavaco Silva. A verdade é que este foi um Presidente ausente nos momentos mais críticos e difíceis, dos quais são mero exemplo a incapacidade de se afirmar como moderador após as eleições de 4 de outubro de 2015, a complicada relação institucional com a Assembleia da República, o deficiente sentido democrático e total inoportunidade política (como os dois recentes vetos em final de funções). Não deixará saudades e estes dez anos de magistério deixaram algumas marcas no processo eleitoral do passado domingo. Uma campanha atípica, sem chama, sem o foco em questões muito concretas e coincidentes com a realidade do país ou com as próprias funções presidenciais. Os portugueses deixaram de acreditar na função e no papel da principal figura do Estado muito por culpa dos dois mandatos de Cavaco Silva. Neste sentido, não é de admirar a forte abstenção (independentemente do seu valor ser ou não real por força da pouca credibilidade dos cadernos eleitorais e do respectivo número de eleitores) que é espelho do alheamento dos portugueses para as coisas políticas e o sexto lugar do candidato Vitorino Silva (Tino de Rans) nos resultados finais (apenas a 44 mil votos de Maria de Belém e a 30 mil de Edgar Silva que, em parte, reflectem o “estado de alma” dos portugueses face aos cargos políticos e ao exercício da política.

Mas as eleições de domingo passado transmitem outros sinais relevantes e que podem trazer alguns danos colaterais no futuro da conjuntura política nacional. Primeiro, uma evidente derrota da esquerda, a mesma que augurou contornar os resultados eleitorais das legislativas de 4 de outubro e tomar o poder. Nem conseguiu, na sua soma, forçar uma segunda volta nas presidenciais, nem foi capaz de unir esforços para a apresentação de uma candidatura única. E as “azias políticas” não se fizeram esperar, basta lembrar, para tal, as infelizes declarações de Jerónimo de Sousa em relação ao Bloco de Esquerda e a Marisa Matias. E neste caso, o Bloco afigura-se como o mais vitorioso dos derrotados já que, apesar de Marisa Matias ter tido menos cerca de 200 mil votos que o BE nas legislativas, percentualmente consolida a posição conquistada pelo partido em outubro último.

Segundo, uma clara derrota do Partido Socialista a demonstrar que a sua viragem do centro para a esquerda ainda irá fazer correr muita água e muita tinta. A divisão interna com a divergência quanto ao apoio de dois candidatos da sua área política e o manifesto apoio maioritário de grande parte da máquina e do governo socialista a Sampaio da Nóvoa que, apesar de segundo classificado, não impediu a vitória, à primeira volta, de Marcelo Rebelo de Sousa. Os dois candidatos manifestamente da influência política socialista não conseguiram, no somatório (27,13%), chegar perto do que foram os resultados eleitorais do PS nas últimas legislativas (32,31%). Mais derrotado ainda saiu o PCP destas eleições. Um resultado muito fraco, muito aquém do que é o histórico eleitoral dos comunistas, agravado pelo facto de ser uma realidade a transferência do sentido de voto para o rival BE, Sampaio da Nóvoa e, pasme-se, para o próprio Marcelo (influência das visitas à Festa do Avante).

Por último é indiscutível a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa. Não só porque o fez sem recurso à segunda volta eleitoral, como o fez sem qualquer margem para dúvidas já que, de forma inédita, foi vencedor em todos os círculos eleitorais nacionais conquistando votos na tradicional área de influência (direita) mas também noutros sectores políticos (por exemplo, à esquerda). Mas nesta vitória cabe um claro trunfo estratégico e uma derrota para Passos e Portas: a não colagem da sua candidatura à coligação que, nos últimos quatro anos, governou Portugal. Esse foi a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa que lhe permite chegar a Belém com uma cara vantagem sobre Cavaco Silva: apesar da sua filiação e de ter sido presidente do PSD tem a imagem de uma maior independência e de uma maior abrangência política.