Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Portas que “Abril” abriu

Publicado na edição de hoje, 30 de abril, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos

Portas que “Abril” abriu

É pela diversidade e abrangência de realidades que o “25 de Abril” corresponde a um dos momentos mais relevantes na história secular de Portugal. Não só a diversidade na sua origem, já que aquilo que seria uma contestação militar à guerra colonial acabou por se tornar numa total mudança de regime político, à qual se juntou a voz de um povo (todo um povo) cansado de 48 anos amordaçado e ansioso por Liberdade. Depois, a diversidade com a efectuação da Democracia, contrariando a eventual tentativa de substituição de um regime ditatorial por outro tão menos democrático e livre. Volvidos dois anos, em que um turbilhão de acontecimentos foi marcando a política e a sociedade portuguesa, resultado de uma natural mudança radical da realidade, a construção democrática, plural e livre de um novo regime teve como desfecho a aprovação da Constituição da República Portuguesa e um conjunto de “portas” que o processo iniciado a 25 de Abril de 74 permitiria abrir: democracia, liberdade, direitos e garantias, ensino público, universalidade da saúde (Serviço Nacional de Saúde), acesso à justiça, apoios sociais, mas também as responsabilidades fiscais, as contribuições sociais, etc.

Mas o “25 de Abril” abriu também uma porta fundamental para a sustentação da democracia: o direito ao voto livre, consciente, universal. O direito de elegermos e a sermos eleitos. O direito ao exercício pleno da cidadania. E, neste âmbito, ganhou particular dimensão e importância o Poder Local, quer do ponto de vista da proximidade com os cidadãos (municípios e freguesias), quer numa maior facilidade de participação dos eleitores na vida das suas comunidades.

Infelizmente, volvidos 40 anos, apesar de não estarem em causa, na sua génese, os princípios que nortearam a madrugada de 25 de abril de 74, é um facto que algumas das conquistas de Abril perderam significado, relevância, foram desvalorizadas e minimizados os seus importantes papéis. E o Poder Local está nessa linha.

Em 2012, Portugal perdeu, ou aniquilou, cerca de 1500 freguesias, por força de uma Reforma Administrativa que não teve a coragem de ser abrangente; de ter um âmbito alargado; que não teve critérios justos, eficientes e lógicos nas agregações efectuadas; que não mexeu com os interesses instalados ao nível dos municípios; que não teve a audácia necessária para alterar a lei eleitoral autárquica; que esvaziou os órgãos autárquicos de inúmeras competências (como por exemplo, das Assembleias Municipais); que atribuiu novas competências sem perspectivar as convenientes e necessárias alterações e sustentações de recursos, quer financeiros, quer estruturais, quer humanos); que não teve em conta as realidades próprias, a história, a cultura das comunidades.

Em setembro de 2013, por ocasião das eleições autárquicas, milhares de eleitores viram-se confrontados com uma nova realidade ao nível autárquico (milhares de freguesias agregadas), salvo algumas excepções, sem qualquer benefício, nem redução de encargos, nem melhor estruturação ou gestão.

O que temos hoje, são freguesias com realidades e dinâmicas sobredimensionadas, freguesias sem estruturas capazes de dar resposta eficaz aos problemas dos seus cidadãos (seja por questões de competências próprias, por falta de recursos ou por alteração da dimensão geográfica e social a gerir), Executivos reduzidos (muitos a meio tempo, pelo menos em teoria) com dificuldades acrescidas por se verem confrontados com novos problemas, com mais problemas, com muito mais solicitações, para os quais não lhes foram fornecidos (para além de um conjunto de princípios legais mas impraticáveis) meios necessários para o cabal exercício das suas funções.

No fundo, uma Reforma Administrativa Local, que sendo necessária, foi mal executada, desajustada das disparidades de realidades das comunidades e regiões, e que, fundamentalmente, apenas veio prejudicar o eficaz exercício da gestão autárquica e limitar o princípio fundamental da democracia: a proximidade entre eleitores e eleitos na gestão da coisa pública.