Portugueses dão lição de economia
a literacia financeira dos portugueses é mais alta do que muitos pensam ou querem fazer crer
Esta ideia de que os portugueses são económica e financeiramente ileteratos e que qualquer bonito 'soundbite' leva ao engodo, é, acima de tudo, de um provincianismo bacoco e de uma demagogia política do pior do populismo.
Aos portugueses, aos que não são da área, obviamente, pouco lhes interessa conceções e princípios técnicos e académicos. Mas muito menos, interessam os populismos político-partidários.
Aos portugueses, o que interessa são os efeitos e impactos que as dinâmicas económicas e as políticas a adotar têm ou não no seu dia-a-dia, na sua subsistência e sustentabilidade, e nos serviços e responsabilidades do Estado e da sociedade.
Não é, de todo, displicente os números da pobreza em Portugal e das famílias que lutam, dia após dia, pela subsistência/sobrevivência, mesmo muitos dos que estão empregados (a pobreza já há alguns anos que deixou de ser "exclusiva" dos desempregados).
Mas o que os portugueses também percebem é que o combate à crise económica faz-se para além da assistência caritativa e efémera. Faz-se da necessidade óbvia dos apoios sociais, mas faz-se também de sustentabilidade, de garantia do futuro, de contas públicas que não afundam o país e piorem a situação de crise, de serviços públicos mais eficazes e eficientes, mais universais e mais acessíveis aos cidadãos.
Coincidência ou não com as declarações do líder do "novo liberal e liberalizado PSD" (Luís Montenegro acusou o Governo de António Costa de amealhar entre 3,5 a 7 mil milhões de euros de receita fiscal e não a distribuir pelos portugueses), num recentemente barómetro (divulgado a 23 de agosto), realizado pela Pitagórica para a TVI/CNN, a maioria dos inquiridos dispensa os populismos e a demagogia partidária do líder do PSD.
É certo que os portugueses precisam de dinheiro e de liquidez mensal e há quem tenha inúmeras dificuldades de subsistência face à baixa massa salarial, à escalada da inflação (principalmente nos bens essenciais e na energia) e à incerteza quanto a estabilização e recuperação económica.
É verdade que a receita fiscal prevista no Orçamento de Estado, fruto essencialmente do IVA, IRS e IRC, de cerca de 3,5 mil milhões de euros, face à evolução da taxa de inflação, facilmente poderá atingir o dobro (cerca de 7 mil milhões de euros).
E foi com base nestes pressupostos que foram colocadas duas questões muito claras aso cidadãos inquiridos: perceber o que é a inflação e saber o que esperam que o Governo face com o excedente fiscal.
E há duas manifestas surpresas.
Primeiro, com ou sem argumentos/fundamentos técnicos, o "economês" é uma linguagem que acompanha uma grande maioria dos portugueses: 81% dos inquiridos sabe que a inflação é, de forma linear, o aumento dos preços dos produtos e serviços.
Há, por isso, um sinal muito significativo da literacia económica dos portugueses.
Segundo, contrariando (felizmente) Luís Montenegro, os portugueses sabem que estão já em curso e em prática medidas para apoiar as famílias e os mais necessitados, aqueles que têm mais dificuldades, e que, em tempos de crise, é importante, para além de alguns sacrifícios, que se consiga enfrentar o presente sem descurar a sustentabilidade futura ou desestruturar de tal forma a sociedade acabando por juntar mais crise à crise. Ou como diz o ditado popular "no poupar é que está o ganho".
Não é, por isso, de estranhar que os portugueses saibam bem distinguir o supérfluo da politiquice e do que é essencial para os cidadãos e para o país.
À pergunta "o que deve fazer o Estado com o valor arrecadado pelo aumento dos impostos", apenas 25% (1 em cada 4) optou por responder que deve ser distribuído por quem mais precisa (apesar de não ser referida a forma). Por outro lado, 70% acha que o excedente da receita fiscal deve ser usado para reduzir a dívida pública, melhorar as condições de vida dos portugueses, criar mecanismos que limitem os aumentos desregulados dos preços, melhorar as respostas dos serviços públicos (educação, saúde, justiça, etc.) e preparar o país para fazer frente à crise presente e à que se avizinha, permitindo, entre outros, que o Estado mantenha a sua função e responsabilidade social coletiva.