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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Presidenciais 2021: O dia seguinte da democracia

Da clarividência de uma vitória à confusão geral, passando pelo regresso das vitórias morais (as der

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(créditos da imagem: Pedro Fiuza / NurPhoto)

Caiu o pano sobre as Eleições para a Presidência da República 2021, com a clara vitória de Marcelo Rebelo de Sousa na recandidatura ao segundo e derradeiro mandato.
Embora nas eleições presidenciais apenas tenha resultados práticos a atribuição do primeiro classificado (o mais votado... seja numa ou a duas voltas) que elege o único lugar disponível - o cargo de Presidente da República - a verdade é que estas eleições, em particular, revelam outras leituras com relevância acrescida para a política e para a democracia nacionais.
Nas eleições que culminaram neste domingo (depois do voto antecipado), Marcelo Rebelo de Sousa foi, apesar da abstenção (e sem o meu voto), um claro e inquestionável vencedor: 60,70% que correspondem a 2.533.839 votos expressos, contra os 52,00% de 2016 (2.411.652 votos)... o que significa uma diferença positiva de 122.187 votos. Ou seja... os resultados apenas confirmam o que há muito - desde uma mediática visita à Autoeuropa, na companhia de António Costa - se perspectivava e anunciava.

A partir daqui, não há vitórias, nem derrotas (por mais que muitos pretendam esses contextos) porque as presidenciais esgotaram-se com o apuramento do vencedor. Mas há resultados que merecem reflexão e análise porque têm reflexos políticos no quadro da democracia parlamentar actual. Aliás como muito bem expressam algumas sondagens que avaliaram as intenções de voto e as transferências de eleitorado, face ao peso partidário que alguns dos candidatos comportam.

Vamos por partes...

Marcelo Rebelo de Sousa
A par de não ter sido surpresa a sua reeleição, não deixa de ser um dado importante o facto de ter sido eleito com uma maior legitimidade democrática que em 2016, dado o aumento do número de votos expressos.
Além disso, apesar do apoio formal do PSD e do CDS, Marcelo Rebelo de Sousa já contava com grande parte dos pesos pesados do aparelho, da militância e do Governo PS muito antes do anúncio da sua candidatura e mesmo antes da formalização do PSD e do CDS. Esta foi uma clara candidatura da centralidade política, um tímido e espontâneo Bloco Central. É lógico que o resultado obtido por Marcelo, extrapolando os resultados legislativos de 2019, não seria possível alcançar apenas com os votos do PSD (mesmo que somados... que não o foram... ao CDS: 1.679.478). Ou mesmo considerando os votos da mítica eleição de 2015, na vitória eleitoral da PaF (1.993.92).

À Esquerda
O exercício é legítimo, face ao universo partidário do eleitorado que elegeu Marcelo Rebelo de Sousa, com uma excepção que importa destacar mais à frente (o CDS). Excluindo o Presidente reeleito, a esquerda soma 21,24% (886.508 votos expressos em Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias) contra os 18,06% da direita (753.824 votos expressos em André Ventura, Tiago Mayan e, inclusive, Vitorino Silva).
Se é certo que há dois resultados que induzem a uma primeira avaliação negativa dos partidos da esquerda, a verdade é que a soma dos votos e respectivas percentagens coloca a esquerda ligeiramente acima da direita, retirando da equação PSD e PS pelas razões apontadas do centralismo da candidatura de Marcelo).
No entanto, as três candidaturas acabam por registar nota negativa.
Ana Gomes porque não conseguiu conquistar o eleitorado do seu partido - PS, ficando aquém dos números de Sampaio da Nóvoa em 2016 (22,88% - 1.061.232 votos) e não conseguiu atingir o principal objectivo que era o de provocar uma segunda volta eleitoral.
Marisa Matias, de facto, ficou muito longe dos números do eleitorado do Bloco de Esquerda e da sua candidatura em 2016 (10,12%  469.526 votos). Mas a realidade e o contexto são distintos. Primeiro, em 2016 Marisa Matias movimentava-se por um eleitorado mais alargado, sem concorrência directa (excluindo o PCP). Nestas eleições teve, manifestamente, a "oposição" de Ana Gomes. Além disso, o facto de não ser possível fazer campanha de rua, no "porta a porta", é um elemento castrador para a esquerda.
João Ferreira pagou a factura de um PCP amarrado à geringonça e em manifesto declínio partidário (basta recordar os alertas do último congresso nacional), incapaz de segurar o eleitorado alentejano e da margem sul, tradicional e fiel à luta e aos princípios. A diferença residual e mínima para os resultados de Edgar Silva em 2016 não conseguem criar uma ilusão de crescimento esperado (João Ferreira: 4,32% e 180.474 votos  |  Edgar Silva: 3,95% mas 182.998 votos). E não terá sido por uma eventual e hipotética viragem dos seus eleitores para a extrema-direita (como princípio ideológico), mas mais pelo facto de muitos dos que votaram anteriormente PCP procurarem respostas anti-sistema como alternativa pragmática. O que não deixa de ser muito perigoso.
Por fim, a esquerda junta (mas nem por isso unida). Não basta, como fez (e muito mal, diga-se) Ana Gomes no discurso da noite eleitoral, atirar as pedras ao PS por não ter suportado formalmente uma candidatura à esquerda (nem interessava, obviamente a António Costa e ao Governo já que teve, ao longo de 5 anos, todo o "colinho" de Marcelo Rebelo de Sousa). Os resultados políticos negativos têm dois parâmetros justificativos: primeiro, o abuso e excessivo recurso a uma campanha baseada no combate a medidas governativas e legislativas, extrapolando as próprias competências de um Presidente da República. Segundo... sendo mais que óbvio a necessidade de se combater os extremismos (venham eles de onde vierem) a forma como a mensagem foi transmitida (no puro ataque populista) só criou uma imagem de vitimização de André Ventura que acabou por lhe ser favorável.

À Direita
Rui Rio começou bem (aliás, muito bem) o seu discurso ao identificar o apoio do PSD a Marcelo Rebelo de Sousa como uma candidatura do Centro, nem à direita, nem à esquerda, para depois estragar tudo com a escusada referência ao PCP e a André Ventura. Mais do que o partido estar e andar preocupado com os outros, o PSD tem que olhar bem para o seu umbigo e perceber que ainda há um longo e difícil caminho a percorrer para o regresso à sua génese ideológica e identitária de um partido do Centro, social-democrata na sua plenitude, sem complexos ideológicos e pragmáticos. Ainda há muito de liberalismo no seio da social-democracia, ainda há muitos que sonham com sebastianismos recentes que levaram a opções eleitorais que engrossaram as fileiras e o sonho de parte extremista da direita.
Tiago Mayran. Sem descurar o interessante resultado obtido, acima do valor registado pela Iniciativa Liberal nas legislativas de 2019, resta apenas a dúvida se o partido do qual o candidato é fundador será capaz de segurar esta mini onda liberal, nomeadamente nalgum desconforto patente em parte do PSD e do CDS.
O CDS e uma eventual e hipotética "certidão de óbito político". Já há muito que a agonia se vem arrastando, agravada com a nova liderança, a incapacidade de afirmação e de unidade que culminou com o "grito interno" de descontentamento com o apoio formal a Marcelo Rebelo de Sousa. Os estudos e os dados estatísticos, valendo o que valem, confirmam-no. O CDS foi o grande "alimento eleitoral" do resultado obtido por André Ventura no domingo, dia 24 de janeiro. O desagrado com a magistratura do primeiro mandato de Marcelo, principalmente no que respeita ao apoio ao Governo de António Costa, os problemas internos do partido, a sua posição trilhada entre uma social-democracia ao centro e o conservadorismo e populismo à sua direita, desfragmentaram o partido, com aparente transferência de eleitorado para o radicalismo de direita, onde muitos centristas encontram algum conforto ideológico num vincado conservadorismo social e económico.
Por fim, a direita toda junta tem um problema bicudo para resolver. E mais que os combates da esquerda, mais que a posição e pressão presidencial, a factura de algum "desleixo" nesta campanha das presidenciais deixaram um significativo e extremamente perigoso activo eleitoral a André Ventura, que o próprio e o Chega são bem capazes de capturar e capitalizar, deixando a Iniciativa Liberal e o próprio PSD incapazes de se afirmarem como alternativa governativa. O que resulta igualmente num outro impacto negativo destas presidenciais: será a direita um factor considerável na manutenção ou até num aumento da força representativa da esquerda no parlamento.

Dados que sustentam a argumentação apresentada, via TSF.

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