Provar do próprio veneno
publicado na edição de hoje, 7 de agosto, do Diário de Aveiro.
Debaixo dos Arcos
Provar do próprio veneno
A chamada silly season política não podia estar mais acesa neste verão quente, o que faz antever uma rentrée (ou várias) carregada de confrontos político-partidários entre Governo/posição e oposição. Esperemos é que, nessa altura, não desvie o país, os portugueses e os responsáveis políticos do ponto alto e determinante na vida política nacional que será o Orçamento do Estado para 2017. A ver vamos… Para já restam-nos episódios que vão marcando a agenda política mesmo neste período de ida a banhos. Infelizmente são contextos e comportamentos que em nada favorecem a imagem dos partidos, dos políticos e da política junto da sociedade. Antes pelo contrário, vão criando um maior distanciamento, uma maior indiferença, mais descontentamento, desconfiança e crítica, que terão o seu reflexo nos preocupantes números das abstenções eleitorais.
A recente atenção dos portugueses tem-se centrado na polémica em torno da viagem proporcionada pela Galp a membros do Governo de António Costa ao Euro2016, nomeadamente de três Secretários de Estado: Jorge Oliveira (Secretaria de Estado da Internacionalização); João Vasconcelos (Secretaria de Estado da Indústria) e, o mais mediatizado e politicamente explorado, Rocha Andrade (Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais). Independentemente da eventual existência de manifesto conflito de interesses entre as relações do Estado/Governo, entre a gestão da coisa pública, e entidades privadas (como é o caso da conflitualidade fiscal, em processo judicial, entre a Galp e o Estado), o valor da ética, os princípios da independência e imparcialidade ou da equidade, devem reger todo o relacionamento do Estado/Governo com a sociedade e com as mais diversas entidades, na defesa da transparência, integridade e justiça. As tomadas de posição, os momentos de decisão, dos políticos e governantes na gestão do país e da esfera pública devem estar o mais isentos possível de qualquer tipo de constrangimento ou de suspeição. Mesmo que do decurso do processo não haja eventual ilegalidade cometida porque nem tudo o que confira legalidade é eticamente aceitável e praticável.
Neste caso concreto das polémicas viagens dos Secretários de Estado à final do Euro2016 a convite expresso da Galp há uma clara hipocrisia política em toda a sua discussão e todos (oposição, Governo e partidos que o apoiam) acabam por provar do próprio veneno no que respeita a isenção e transparência. Oposição (PSD e CDS) não tem moral para criticar uma prática que, infelizmente, não é exemplo único e é transversal à classe política e à governação. Apesar da generalização não servir de desculpa pelos factos ocorridos. A posição do Governo e do PS só é compreensível (mesmo que criticável e condenável) porque os factos não são, infelizmente, caso único e pontual. Assim como a opção pessoal de reembolso/pagamento das despesas só vem reforçar e realçar o erro político da opção tomada, por mais justificações que se queiram dar. Lembremos, a título de exemplo, a recente polémica (há cerca de dois meses) que envolveu o Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, e a devolução do valor recebido indevidamente do subsídio de alojamento.
Mas também PCP e BE não saem bem na fotografia e o peso da “cadeira do poder” falou mais alto que a isenção e a coerência política. Apesar das críticas à actuação dos Secretários de Estado em situações análogas que envolveram políticos e/ou governantes do PSD ou do CDS seria mais que evidente a “histeria política” da esquerda em pedir, de imediato, a demissão dos intervenientes. Recorde-se, por exemplo, a posição do PCP e do BE no caso do “esquecimento fiscal” de Passos Coelho no cumprimento dos compromissos com a Segurança Social.
Por mais leis (que já existem) e códigos de conduta actuais ou futuros, a verdade é que estes episódios deveriam, acima de tudo, fazer com que a classe governante e partidária reflectisse sobre o que é uma condenável cultura política que permite a promiscuidade, a falta de transparência, o declínio da ética na governação e no cuidado com a gestão dos interesses públicos. Mais do que as trincas políticas, a demagogia balofa ou a falta de moral e coerência políticas, o país precisa de uma nova cultura partidária, política e governativa que limpe, de vez, um dos problemas que mais contribui para que o desenvolvimento do país deixe de estar tão minado no seu seio: o amiguismo, o caciquismo, o favorecimento, a falta de independência, de transparência e de ética. E não há quem não tenha telhados de vidro.