Qual 25 de Novembro?
A história da nossa democracia (conquistada, simultaneamente, com a liberdade, a 25 de abril de 74) foi revisitada há uma semana, 25 de novembro, de uma forma mais forçada do que assumida, marcada mais pela discussão sobre o sentido da comemoração do que, propriamente, sobre o que a data representou ou significou.
Importa recordar a frase proferida pelo General Ramalho Eanes, que uma determinada franja política e ideológica gosta tanto de enaltecer: “Momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se”. Assim como importa recordar que toda a direita, incluindo Sá Carneiro, se opuseram à sua recandidatura (em 1980) optando por Soares Carneiro que Eanes viria a derrotar (56,4%) com o apoio de toda a esquerda.
Volvidos estes 50 anos ainda há quem tenha como único conceito e objetivo ideológico minar a democracia e reescrever a história, menorizando esse marco único na nossa história que foi o 25 de abril de 74. Felizmente que temos os factos e as memórias vivas de alguns dos protagonistas da conquista da liberdade e da democracia para preservar a história.
O 25 de novembro de 75 teve o seu papel importante no evitar da escalada de conflitualidade civil e em colocar ordem no percurso natural dos primeiros passos da democracia conquista em abril de 74. Mas não é isso que está em causa. O que se condena é esta tentativa absurda de deturpar o contexto, os factos e os acontecimentos por mero preconceito ideológico, nomeadamente por uma direita que, à data, se escondia medrosamente à espera que outros, esquerda e centro-esquerda, dessem o corpo às balas e lutassem para que Abril se cumprisse. O 25 de novembro colocou, frente, a esquerda moderada contra a extrema-esquerda. Mais ainda, a esquerda moderada contra a extrema-direita, aquela que pretendia reverter o 25 de abril de 74, aquela que tentava vingar o falhanço do “spinolismo pós-revolução”, aquela que, de tanto democrática que se autoproclamava, queria banir o direito universal de haver uma opinião e convicção político-ideológicas contrárias, como o PCP, partido, aliás, que se colocou à margem dos próprios acontecimentos, nomeadamente das revoltas militares nos quartéis.
Feitas as contas, as eleições tinham ocorrido em abril de 75, o processo da Constituição estava em curso e assim continuou, Costa Gomes continuaria Presidente da República e Pinheiro de Azevedo Primeiro-ministro até 1976, o Governo Constitucional continuou formado pelo PPD, PS e PCP e o Conselho da Revolução (criado em março de 75) manteria funções até 1982.
Esta direita, que tem as mãos irrelevantemente vazias de qualquer história na conquista da liberdade e da democracia, sempre odiou Otelo, as FP-25 ou as Brigadas Revolucionárias do PRP. Mas deveria, da mesma forma, corar de vergonha (no mínimo) ao ouvir falar do MDLP, Movimento Maria da Fonte, Exército de Libertação de Portugal ou o assassinato do Padre Max.
Mas, acima de tudo, o 25 de novembro nasce devido a uma rebelião de militares contra militares. É essa a história. Quem a quiser conhecer melhor pode (e deve) ler, por exemplo, “Capitão de Abril. Capitão de Novembro”, do coronel Rodrigo Sousa e Castro, porta-voz do Conselho da Revolução e um dos subscritores do manifesto do Grupo dos Nove.
Se havia assim tanta vontade em ser assinalado o 25 de novembro, se havia assim tanto espírito democrático (pilar estruturante de um Estado de Direito) podiam não ter esquecido, porque importa nunca esquecer, que nesse dia se assinalou o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Um dos maiores flagelos da sociedade, um dos maiores atentados contra os direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Podiam ter descido pelas paredes do Parlamento os rostos das 25 mulheres assassinadas, de janeiro a 15 de novembro deste ano. Das quais, 20 em contexto de violência doméstica, sexual ou familiar.
Este sim, seria um nobre e democrático 25 de novembro se elevadas as memórias dessas 25 mulheres.
Ou se o Parlamento tivesse a coragem política, moral e cívica para denunciar as mentiras e os populismos perpetrados por aqueles que, em pleno século XXI ainda acham que “entre marido e mulher não se deve meter a colher” ou que a violência sexual contra as mulheres é coisa do “secretismo de buraco de fechadura”.