Quando a televisão nem educa, nem entretém... antes pelo contrário, deforma
e não devia...
O caso que expõe Bruno de Carvalho e o programa da TVI, "Big Brother Famosos" (BBF) pulula entre as redes sociais, os comentários de "café", as queixas na APAV e na ERC.
Esperar, apenas, por cada 7 de março (dia de luto nacional pelas vítimas da violência doméstica) ou 25 de novembro (dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres), apesar de importante, é demasiado redutor. Educar, informar, alertar e combater permanentemente este flagelo social é um dever cívico urgente e constante, como forma de defendermos, também por esse caminho, todas as formas de descriminação, violência e desprezo pelos valores e direitos mais elementares e fundamentais.
Desvalorizar este acontecimento tornado público, por força da exposição mediática, é, simultaneamente, menosprezar, desvalorizar e desconsiderar a realidade: em 2021, segundo o relatório da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, morreram 23 pessoas vítimas de violência doméstica (quase duas em cada mês). Além disso, segundo relatório da PSP, no ano passado a força de segurança pública recebeu 2.215 denúncias de violência no namoro, sendo que, desse número, mais de um terço dos casos (cerca de 34%) enquadram-se na faixa etária até aos 25 anos.
Assobiar para o lado, face aos factos e ao que é o conhecimento dos acontecimentos, com a desculpa e com o argumento de que é tudo ficção televisiva, é o mesmo que continuar a perpetuar uma "cultura social" retrógrada assente no fundamento retardado "entre marido e mulher não se mete a colher". E o flagelo medieval não tem fim...
Mas esta não é apenas uma questão de violência física e psicológica patente no comportamento verificado (e relatado) de Bruno de Carvalho no programa da TVI.
Tão grave e condenável é o próprio comportamento do canal de Queluz de Baixo. As razões são mais que óbvias: a promoção de espaços e contextos que potenciem esta realidade, agravada pela massificação inerente ao meio (veículo) televisivo; a manutenção dos factos e acontecimentos, retraídos apenas quando as críticas surgiram; a desvalorização dos acontecimentos. E aqui, cabe uma referência à deplorável afirmação e argumentação usada por Cristina Ferreira aquando da implosão dos factos. Afirmou, em directo, a administradora e directora da TVI: «a televisão não tem que ser educativa, tem que entreter».
Esta forma de tratarmos a questão da violência doméstica com uma leviandade e banalidade tão "natural", esta forma de desvalorizar e menosprezar esta cultura de superioridade sobre o outro, é abominável, deplorável, condenável e potenciadora destas tristes realidades.
A TVI tinha tudo para demonstrar uma atitude de promoção de valores, da defesa da dignidade da pessoa e dos mais elementares direitos, liberdades e garantias. Tinha tudo para, logo no primeiro momento, logo no primeiro acontecimento, colocar um ponto final e não dar palco, nem mediatismo a contextos destes, quando, ano após ano, ainda há uma parte da nossa sociedade para quem oprimir, espezinhar, pisar e humilhar nada tem de errado.
E essa é uma das funções ou missões da televisão. Há limites, como em tudo na vida, até mesmo no entretenimento. As audiências e as receitas financeiras não valem tudo. Nunca valem tudo.
À televisão cabe a responsabilidade de, mesmo entretendo, formar, educar, desconstruir a realidade, condenando e criticando os ataques, sejam eles de que natureza forem, aos valores e direitos fundamentais.
Infelizmente, Cristina Ferreira e a TVI revelaram a sua verdadeira faceta. Felizmente até alguns patrocinadores perceberam todo o erro que foi todo este triste espectáculo (como se já não bastasse o próprio programa em si mesmo).