Quando o jornalismo também é (deve ser) notícia
#SomosJN, #SomosGlobalMedia, #SomosJornalismo, #SomosPelosJornalistas
Publicado na edição de hoje, 18 de dezembro, do Diário de Aveiro (página 6)
Há um princípio básico no jornalismo, mesmo que questionável e tantas vezes colocado em causa, que defende que o jornalista não é, nem deve ser, a notícia. E por “arrasto” o próprio jornalismo.
Sendo o jornalismo (e, por óbvias razões, o jornalista) parte integrante da dinâmica da sociedade, em determinados contextos e circunstâncias, o jornalismo e o jornalista podem (e devem) ser a notícia. O que não é o mesmo que a “interferência” pessoal do jornalista (o seu sentido crítico/opinativo, as suas emoções ou convicções pessoais, por exemplo) na notícia. E, mesmo aqui, dependendo do género jornalístico há (e haverá) exceções e outras realidades.
Enquanto o país se embrulha, com mais ou menos empenho e devoção, na agenda política mediática (ainda os impactos da crise política com a demissão do Governo e a dissolução da Assembleia da República; a já pré-campanha eleitoral; as eleições internas no Partido Socialista; as críticas, mais que legítimas e naturais, à Procuradora-Geral da República e ao Ministério Público (e, por arrasto, à Justiça); o caso das crianças gémeas tratadas no SNS (com mais ou menos cunha); entre outros) ou nos conflitos entre nações (por exemplo, Faixa de Gaza e, nunca esquecer, a Ucrânia), Portugal vai, infelizmente, passando à margem da crise na comunicação social, mais concreta e recentemente, com as dificuldades sentidas na Global Media Group (JN, DN, TSF, Jogo, Dinheiro Vivo, Notícias Magazine,…). Mas a realidade não afeta, infelizmente, um grupo ou determinado nicho do setor. É geral e já teve impactos no passado, mais ou menos recente, noutros órgãos de comunicação social.
A dificuldade com que os profissionais da Global Media, nomeadamente nos seus principais títulos/marcas, têm sentido para contrariar o despedimento coletivo de cerca de 200 pessoas e a questionável e criticável reestruturação estratégica, com impactos óbvios, na missão jornalística, levou, esta semana, à demissão dos diretores do JN, da TSF e O Jogo (de uma assentada e de forma solidária).
Por mais que a sociedade (os cidadãos), tal como tantas vezes o faz, por exemplo, com a política e a justiça, seja levianamente (precipitada e irrefletida) crítica com o jornalismo e os jornalistas, a verdade é que a comunicação social desempenha um papel crucial na democracia, sendo um dos pilares fundamentais para o funcionamento saudável de um sistema democrático.
O jornalismo e os jornalistas detêm um papel fundamental na construção de uma sociedade informada e consciente da realidade que a rodeia e envolve. O jornalismo e os jornalistas desempenham um papel crucial de fiscalização e responsabilização dos detentores do poder (político, judicial, económico, empresarial, associativo, …), mesmo com os riscos de judicialização em que muitas vezes ocorre o chamado jornalismo de investigação. O jornalismo e os jornalistas desempenham um papel fundamental para a promoção da liberdade de expressão e para o pluralismo de convicções e opiniões (representatividade no espaço e esfera pública), da cidadania e da educação cívica. O jornalismo e os jornalistas desempenham um papel vital na defesa dos direitos humanos, expondo injustiças, violações e abusos.
Uma sociedade sem informação é uma sociedade vazia, débil, fragilizada nos seus principais alicerces e fundamentos.
Uma informação sem jornalismo e sem jornalistas é, parafraseando António Guterres, o “vácuo”. Não existe.
Às portas do 5.º Congresso dos Jornalistas (18 a 21 de janeiro de 2024) e face aos crescentes desafios e à pressão que está a ser colocada ao setor, é mais do que importante, crucial e vital que o jornalismo faça uma reflexão profunda, não apenas fechado em si mesmo (esse também é um dos seus defeitos… porque sem jornalistas não há notícias, mas sem “consumidores” também não são precisas notícias) sobre a independência, rigor, transparência e liberdade da missão do jornalista, ao que, obviamente, teremos que adicionar a sustentabilidade do setor da comunicação social. Não será fácil, mas não me parece impossível.
A indiferença e o alheamento com que a sociedade olha para a crise no jornalismo, acrescido da permanente desconfiança e crítica, esconde uma perigosa realidade: o imensurável vazio do rigor, da qualidade, da veracidade, da mediação na informação, contrapondo com a propagação do caos informativo sem qualquer regulação ou critério profissionalizado (aos quais se sujeita a responsabilidade deontológica e ética de um jornalista).
No dia em que a democracia se vir privada de um dos seus principais pilares – a liberdade de informar e de ser informado – quando a sociedade tomar consciência do vazio que a falta de pluralidade, fiscalização, mediação, transparência, participação, talvez aí se olhe para o papel do jornalismo e dos jornalistas, para o esforço e empenho de milhares que, seja a nível nacional, ou a nível local/regional (é fulcral que não esqueçamos esta realidade da imprensa local – como o caso de resiliência que o Diário de Aveiro sempre demonstrou - tão próxima das pessoas e das comunidades), vão fazendo a notícia (e que deveriam ser, também, notícia) e vão construindo um Estado de Direito e uma sociedade democrática sólidos e consistentes.
Só espero que, nessa altura, não seja demasiado tarde para virmos bradar que também #SomosJN, somos Diário de Aveiro (e tantos jornais locais e regionais), Rádio Terra Nova (e todas as rádios locais), TSF e Renascença (rádios nacionais), Diário de Notícias, Dinheiro Vivo, SIC, grupo RTP, Público, Expresso, TVI ou CNN, … .
Porque o jornalismo e os jornalistas precisam de todos, da sociedade e das instituições, hoje… neste momento. Amanhã, poderá ser tarde demais.