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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Quo Vadis democracia e ética republicana?

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Publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro.

Desde os longínquos tempos da philos e da polis da antiga Grécia, passando pelo período do Renascimento (por exemplo, recordando o Príncipe, de Maquiavel), até ao confronto dialético entre o sistema monárquico e o republicano, a ética foi sempre considerada a nobreza dos valores e princípios do espaço público, da gestão da coisa pública, da política e da democracia.
Tendo como baliza temporal o ano de 1910, mais concretamente 5 de outubro, o conceito ganhou dimensão política na assunção da ética republicana como pilar fundamental e inabalável da democracia e da conduta moral e social política, muito para além do escrupuloso cumprimento dos preceitos legais.

Tomemos como premissa inquestionável que a nobreza da política reside na sua génese: cuidar das dinâmicas sociais, económicas e políticas da sociedade e promover e defender as liberdades e garantias que o sistema democrático proporciona. Tudo isto na assunção de que a ética e a moral, a valorização dos princípios e valores, a par com o cumprimento da lei, são pilares inabaláveis, aos quais podemos, e devemos, acrescentar a verdade, a transparência e a coerência.
Quando ao incumprimento das regras, normas e leis – a vertente criminal – acrescentamos os ataques e as investidas à ética republicana, a democracia é a principal vítima e, em consequência, apodrecem as instituições, a sociedade e a política.
Quando se transforma a verdade e a coerência, numa narrativa populista e eleitoralista, querendo fazer dos portugueses ignorantes, distraídos e sem memória, coisa que nunca foram, nem nunca perderam (ao contrário do que alguns sempre pretenderam e pretendem fazer crer), balizam-se as estratégicas pela bitola do extremismo e do radicalismo, perde-se a confiança política e degrada-se a confiança nos políticos.
Quando se apresentam dois pesos e duas medidas para contextos semelhantes (mesmo que não totalmente iguais) e se tomam decisões e posições díspares e contraditórias, principalmente por quem tem responsabilidades acrescidas em razão dos cargos e funções que ocupam e desempenham, como, por exemplo, o Presidente da República ou o presidente do PSD, degrada-se a confiança nas instituições democráticas, nomeadamente as que garantem o Estado de Direito, e nos partidos, enquanto bastiões das dinâmicas democráticas e da política.

Podemos tecer as considerações que a liberdade de expressão, e bem, nos confere, por mais surrealistas que sejam. Mas a realidade dos factos e dos contextos é única.

O PSD (ou a AD) lançou uma campanha, precisamente no dia do rebentamento da crise na Madeira, na qual afirma “Corrupção e falta de ética. Já não dá para continuar. A mudança está nas tuas mãos”.

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Não vou pelo caminho da infeliz coincidência entre a campanha e o caso judicial da Madeira. Nem vou, embora muito poderia ser dito, enveredar pelo paralelismo discursivo usado pelo PSD e pelo Chega (todos recordamos o “limpar Portugal”). Basta-me a total e condenável falta de coerência e a tentativa absurda de julgar os portugueses como ignorantes e distraídos. Fruto, eventualmente, do total desconhecimento da realidade política e da sociedade portuguesa da recém contratação de assessoria política para a campanha.

É deplorável que o PSD, e a própria recauchutada AD (tripartida, transformada, apenas, num par), achem que têm o condão único da moral, que são os donos da verdade, que são a assunção da transparência e da ética cristalina quando têm tantos ou mais telhados de vidro que o PS que tanto tentam (sem conseguir diga-se) demolir ou descredibilizar. Os 50 anos da democracia não contemplam um hiato geracional tão grande que se percam memórias como “a casa de Boliqueime”, as ações da SLN, o BPN, o próprio BES, a Tecnoforma, os submarinos, as ações do “banco Relvas”, o caso Vortex em Espinho, a moradia e as isenções, o caso Tutti Frutti, o caso do (recente) ex-deputado Maló Abreu e a residência em Angola e os 75 mil euros de compensação parlamentar (porque o caso resulta como eleito pelo PSD), etc., etc., etc. E tão ou mais grave são as argumentações ou fundamentações das opções e das afirmações, como, por exemplo, ouvir Miguel Relvas afirmar (sem se rir), como se o próprio fosse o exemplo de ética e moral, “que não se pode julgar pessoas na praça pública”. Ou a contradição entre a narrativa proferida e proclamada, pelo PSD, aos quatro ventos, no caso da demissão de António Costa, e da opção de Marcelo Rebelo de Sousa pela dissolução da Assembleia da República, e a retórica usada, agora, pelo Presidente da República, pelo PSD nacional (principalmente Luís Montenegro) e pelo PSD Madeira (principalmente Miguel Albuquerque) para defender o indefensável e tomar uma posição contrária ao que, num contexto idêntico, era a desejável, à data, para a República e para a crise política nacional com o pedido de demissão de António Costa. Tudo mudou, não por convicção de Montenegro ou de Miguel Albuquerque, mas apenas pela ameaça política do PAN Madeira em furar o acordo legislativo.

O povo tem uma definição muito clara para estes contextos e para esta degradação da democracia e da política, para além do populismo e da narrativa da “banha da cobra”: pimenta no rabinho alheio é refresco. Mesmo que seja pimenta política.
Ficam a confiança política e a democracia feridas. Fica a ética republicana demasiado maltratada e fustigada. Perde o país, perde a política, perdem os portugueses.

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