Repensar o Poder Local
publicado na edição de hoje, 27 de setembro, do Diário de Aveiro
Debaixo dos Arcos
Repensar o Poder Local
Estamos a pouco mais de quatro dias das eleições autárquicas de 2017, volvidos que são 41 anos desde o primeiro acto eleitoral que se registou em dezembro de 1976.
Seria intelectualmente desonesto não reconhecer o papel que o Poder Local desempenhou na consolidação da democracia, no desenvolvimento do país e das comunidades (municípios e freguesias). Papel que ainda hoje, apesar das alterações conjunturais, das novas realidades e das tentativas de desvalorização e menorização da missão autárquica, é relevante e merecedor de especial destaque. Não há, por enquanto, forma mais objectiva de vivência e concretização dos princípios da democracia do que o desempenho das funções políticas nas autarquias e nas freguesias. A extrema relação de proximidade torna a política local mais real, mais próxima das necessidades do quotidiano das pessoas, das comunidades, das aldeias, vilas e cidades, das ruas, dos bairros, das empresas, das associações. E é este factor muito particular de proximidade da democracia que permite que a coisa pública, a implementação de políticas públicas, a acção de gestão administrativa e política, seja sustentada numa percepção muito real e objectiva das necessidades e das prioridades das pessoas e das localidades.
Infelizmente, apesar da percepção quanto ao inequívoco papel da política local no desenvolvimento, consolidação e estruturação nacionais, o Poder Local é, ao fim de 41 anos, mal tratado, é desvalorizado, é “invejado” e “temido” por uma democracia demasiado centralista. E já lá vão 43 anos de maturidade (ou a falta dela) democrática.
Nestes últimos quatro anos do ainda actual mandato autárquico, após a pseudo reforma do mapa administrativo de 2012 e da questionável alteração do quadro legislativo de 2013, perdeu-se demasiado tempo sob a pressão política e governativa do défice e esqueceu-se a realidade do país. Não houve a preocupação de avaliar os efeitos da reforma, dos impactos na fusão das freguesias, na legislação incoerente de atribuição de competências e de estruturação das freguesias, autarquias e comunidades intermunicipais. Em abril de 2016, o Secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, anunciava a possibilidade de revisão do mapa administrativo autárquico revisto em 2012 e implementado em 2013, com a eventualidade de reposição de algumas freguesias agregadas. No final do mesmo ano e já durante o presente, António Costa anunciou que estava previsto para o após eleições do dia 1 de outubro uma forte descentralização de competências para o Poder Local. Se a notícia não deixa de ser positiva, por outro lado não deixa de assustar… e muito.
Voltar a desagregar freguesias sem uma avaliação rigorosa, sem que sejam analisadas as distintas realidades de cada comunidade (para não se cair, de novo, no método “régua e esquadro”), sem que seja incluída igualmente uma revisão do mapa administrativo municipal (a eventual fusão de municípios) afigura-se um processo desastroso.
Delegar e descentralizar competências para as autarquias sem prever que isso signifique um maior domínio político das autarquias sobre as freguesias ou sem que haja, primeiro, uma global alteração da estruturação do Poder Local, são medidas desagregadas e inconsistentes.
Portugal tem que, definitivamente, parar para pensar e repensar o Poder Local: a sobreposição administrativa da gestão política e territorial das freguesias e dos municípios, legitimamente eleitos com a mesma expressão democrática, sem que isso signifique um dependência e subserviência políticas das freguesias perante os municípios; uma alteração profunda no quadro legislativo eleitoral autárquico que atribua maiores responsabilidades às Assembleias Municipais e às Assembleias de Freguesia, para além da inconsequente função fiscalizadora (onde caibam responsabilidades de aprovação directa do Executivo e novas funções deliberativas/legislativas, por exemplo, mais responsabilidade no planeamento e urbanismo, responsabilidades na fixação das taxas e impostos, na fixação de regulamentos); no mesmo âmbito, uma alteração da lei eleitoral que permita a formação e aprovação de Executivos monocolores, por escolha do Presidente eleito ou emanados das Assembleias; uma descentralização de competências concretas e reais seja ao nível das autarquias (municípios e freguesias), seja ao nível das comunidades intermunicipais; terminado o papel dos governadores civis, uma redefinição de gestão territorial baseada no mapa administrativa das Comunidades Intermunicipais (NUTS III); uma legislação das finanças locais que determine mais autonomia, melhor definição de transferências orçamentais e uma maior participação na gestão dos Fundos Comunitários.
No fundo, o que se espera ao fim de 41 anos de Poder Local é que as Comunidades Intermunicipais, os Municípios e as Freguesias, devidamente estruturadas, sejam parte activa e relevante no desenvolvimento democrático, económico, social e cultural, do país, face à sua óbvia e natural natureza.
É, por tudo isto, tão importante VOTAR.