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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Ser não basta... também é preciso parecer.

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(fonte da foto: XXIII Governo da República Portuguesa)

Num Estado de Direito, a separação de poderes implica, por exemplo, a autonomia entre o poder judicial e o poder político. E quanto menos envolvimento houver entre as partes, melhor para a democracia, a justiça e a política.
O que não significa que, em alguns "casos", não haja eventual sobreposição dos dois contextos. Não raras vezes, o que é legal, nem sempre se apresenta, politicamente, como ético ou moral.

Estranhamente, num Governo liderado por alguém a quem, muitos, apelidam de "animal político", a presente legislatura, em apenas 10 meses de governação, já 'presenteou a sociedade' com 6 'casos' que envolvem, direta ou indiretamente, ministros e secretários de Estado: Ana Abrunhosa, Elvira Fortunato, Fernando Medina, Manuel Pizarro e Pedro Nuno Santos. Deixemos de lado o ex-Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-ministro, Miguel Alves, já que o caso corre nos meandros da Justiça.
Enquanto o país faz a digestão do bacalhau, da roupa velha, do arroz de polvo ou do peru recheado, entre sonhos, bilheracos e rabanadas, o Governo acrescenta mais uma machadada na sua imagem política, sem qualquer necessidade: o episódio 'chorudo' da recém Secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis.
O caso da ex-Administradora da TAP (indemnização de 500 mil euros por saída antecipada do cargo e funções) e ex-Presidente da NAV Portugal (empresa pública que gere a navegação aérea em Portugal) tem os mesmos contornos que os outros 5 referidos. Comprovados os argumentos e as justificações (tantas vezes apresentados de forma descoordenada, fora de tempo e atabalhoada), compaginada a legalidade dos factos, resta a questão da ética política.
E nesta questão o contexto político (excluida qualquer incompatibilidade legal) tem um peso demasiado relevante, por várias razões.
Primeiro, porque ainda está por saber se Alexandra Reis saiu da TAP por opção pessoal ou se foi demitida. O que pode, por si só, fazer muita diferença.
Segundo, porque é de difícil compreensão para a opinião pública que alguém saia da Administração da TAP, alegadamente por vontade própria, e receba uma indemnização de meio milhão de euros, quando é, por demais, conhecido o esforço que os portugueses têm feito, através do Estado, para sustentar a TAP em muitos milhões de euros oriundos do orçamento e dos cofres públicos.
Depois, há a incoerência na forma como a TAP gere e critica, publicamente, as greves e as posições laborais dos seus trabalhadores.
Além disso, não se afigura fácil legitimar e justificar uma imagem de rigor e de moral política, face aos acontecimentos, para quem no futuro, enquanto Secretária de Estado do Tesouro terá a obrigação governativa de exigir sacrifícios aos portugueses (logo agora que o futuro bem próximo não se afigura risonho... antes pelo contrário).
Por último, há, como em muitas (demasiadas) outras circunstâncias, o surrealismo político que envolve parte do Governo de António Costa. E, mais uma vez, Pedro Nuno Santos, embora, agora, acompanhado pelo Ministro das Finanças, Fernando Medina, que tutela, precisamente, a Secretaria de Estado do Tesouro.

Ora... Alexandra Reis, depois de ser alto quadro da TAP, com a reestruturação promovida pelo Governo, sob a 'batuta' do Ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, integrou o Conselho de Administração e a Comissão Executiva da transportadora aérea nacional, entre 2020 e fevereiro de 2022. De fevereiro a novembro, foi escolhida pelo Governo - por este Governo - para presidir à NAV Portugal, de onde saiu para a Secretaria de Estado do Tesouro (Ministério das Finanças), na mais recente remodelação governamental de António Costa.
Nos últimos 10 anos (mais ano, menos ano) Alexandra Reis exerceu funções em empresas públicas, nomeadamente a REN, TAP e NAV.
Alguém consegue explicar, por tudo isto, como é que o Ministro das Finanças e o Ministro das Infraestruturas assinam um despacho conjunto para pedir explicações à TAP sobre a indemnização paga à Secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis?
Então o Governo escolhe, para altos cargos e funções políticas e executivas, pessoas das quais desconhece a sua mais recente 'história curricular'?

Para lá da complexidade jurídica e/ou política do 'caso', António Costa passará por mais esta "espuma dos dias", por entre os 'pingos da chuva', com os portugueses mais preocupados com o Natal e a Passagem do Ano, do que propriamente com "miudezas políticas".
Mas não deixa de ser preocupante que Fernando Medina tenha poucas certezas quanto ao perfil de quem escolhe para a sua estrutura governativa (ainda está fresco na memória coletiva o caso da assessoria de Sérgio Figueiredo) ou que Pedro Nuno Santos, ao contrário do que tanto profetiza, saiba muito pouco do que se passa na TAP.