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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Surrealismo presidencial

Cavaco Silva - diario digital.jpgpublicado na edição de hoje, 25 de novembro, do Diário de Aveiro.

Debaixo dos Arcos
Surrealismo presidencial

Haveria ainda lugar a alguma dúvida e alguma expectativa quanto à forma como Cavaco Silva lidaria com esta fase do processo de indigitação de eventual novo governo, depois da Assembleia da República ter chumbado o XX Governo Constitucional. O que não seria expectável para a maioria dos portugueses é que, em pleno final de mandato, o país descobrisse capacidades inovadoras e imaginativas tão surpreendentes e escondidas em Cavaco Silva. Aliás, não seria para a maioria dos portugueses, como para a própria comunicação social tendo em conta que, a título de exemplo, o jornal Expresso noticiava, neste fim-de-semana, que Cavaco Silva não exigiria garantias à esquerda.

Do ponto de vista constitucional poderíamos esperar, com muito esforço argumentativo, um governo de gestão ou até, no limite dos limites (mas muito no limite, quase que no infinito), um governo de iniciativa presidencial. Do ponto de vista político poderíamos esperar de Cavaco Silva um arrastar no tempo do actual limbo governativo, ao ponto do processo entroncar com o próximo mandato presidencial e cair nos braços do novo Presidente da República. O que não estaríamos à espera era deste “coelho de cartola” (passe a expressão) que, por magia política, Cavaco Silva fez surgir. Após tantas audiências, após o chumbo do XX Governo e do seu Programa, mais que conhecidas as posições dos partidos com assento parlamentar, sendo mais que públicas as fragilidades e das virtudes do acordo PS-BE-PCP que é por todos mais que conhecido, é inenarrável a tomada de posição de Cavaco Silva após nova audiência, na segunda-feira de manhã, com António Costa. Desta audiência, da qual não houve no final qualquer comentário por parte do líder do PS (curiosamente, ou não, a Presidência da República fez, imediatamente, eco público do documento de suporte à referida reunião), o Presidente da República solicitou esclarecimentos de António Costa (e do PS) a seis pontos (dúvidas?) dos quais, por princípio, fará depender a sua decisão (?) de indigitação. Ora a inovação e imaginação política de Cavaco Silva provocou um significativo conjunto de reacções, mais que legítimas e óbvias.

Primeiro, é difícil encontrar fundamentação constitucional para tais exigências, já que a avaliação das mesmas caberá antes e em última instância à Assembleia da República, como todos os poderes próprios que comporta.

Segundo, do ponto de vista política e da sua coerência porque é que Cavaco Silva exige agora o que não exigiu, por exemplo, a Sócrates em 2009, também em "governação minoritária"?

Terceiro, quais são as alternativas legais e constitucionais que ainda restam a Cavaco Silva? A mais consistente e coerente, independentemente da forma como foi conseguido este acordo à esquerda (retira-se legitimidade política e democrática mas fundamenta-se em legitimidade constitucional), é a óbvia indigitação de António Costa e a posse do XXI Governo Constitucional. Não se percebe o que ganha Cavaco Silva e o país neste impasse todo e arrastamento do processo. Como dizia um dos ilustres banqueiros nacionais tão carinhosamente ouvido por Cavaco Silva numa das 31 audiências promovidas desde as eleições de outubro passado: "é o mal menor".

Por último, é questionável, criticável e inimaginável, toda esta performance política de Cavaco Silva em claro fim de mandato, bem como é notória a "azia democrática e ideológica" que sente em dar posse a um governo PS com o apoio do BE e PCP. Mas é a vida... é a democracia, por mais voltas que nos dê no estômago. E foi para isso que Cavaco Silva se apresentou a sufrágio universal e livre para o exercício, nestes últimos dez anos, da função de Presidente da República. E não para estes joguinhos ridículos de magistratura, algo, aliás, que deveria ter sido a sua função e o seu papel durante os seus dois mandatos e, nomeadamente, logo após o resultado eleitoral do passado dia 4 de outubro. Talvez aí, se não tivesse "adormecido à sombra da bananeira", pudesse ter desempenhado um excelente papel mediador e ter promovido outro tipo de solução governativa para o país. Não o fez... agora?! Temos pena.

Até porque de nada serve ao país e à decisão de Cavaco Silva este tipo de exigências e posicionamentos. Só favorece, legitima e dá ainda mais força à maioria de esquerda que tanto odeia. É inenarrável. Alguma vez Cavaco Silva parou para pensar no que fará se António Costa não lhe der qualquer tipo de resposta satisfatória às seis exigências? Nada. O que fará o Presidente da República? Que alternativa tem? Nenhuma. Será que Cavaco Silva se esqueceu que há também uma Assembleia da República com poderes próprios e legítimos? Surreal.