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Debaixo dos Arcos

Espaço de encontro, tertúlia espontânea, diz-que-disse, fofoquice, críticas e louvores... zona nobre de Aveiro, marcada pela história e pelo tempo, onde as pessoas se encontravam e conversavam sobre tudo e nada.

Todos somos estrangeiros em algum lugar

Mouraria - Rodrigo Cabrita (CNN).jpg

(crédito da foto: Rodrigo Cabrita, in CNN)

Na semana passada, a AIMA divulgou dados provisórios de 2023: 1.040 milhões de estrangeiros em Portugal.

Numa Europa a braços com uma realidade com a qual tem dificuldade em lidar (em 2023, mais de 2.500 pessoas morreram no Mar Mediterrâneo e mais de 190 mil pessoas chegaram, por via marítima, ao sul da Europa - Itália, Grécia, Espanha e Malta – oriundas das rotas migratórias que confluem na Argélia, Líbia, Tunísia e Marrocos, segundo a ACNUR/ONU), a temática teve claro impacto na campanha para as eleições Europeias, muito por força do contínuo discurso de ódio da extrema-direita. Ao ponto de um dos seus representantes ter tido a lata e o despudor de afirmar, na CNN Portugal, que a diferença entre os emigrantes (imigrantes) portugueses e os imigrantes que acolhemos em Portugal é que os portugueses iam para outras paragens para trabalhar, ao contrário de quem nos procura.
A diferença não é, de todo, essa, para além de ser uma óbvia mentira. A verdade é que ambos (emigrantes e imigrantes) procuram, acima de tudo, melhores condições de vida, sendo que aos imigrantes, muitos deles refugiados da guerra na Ucrânia, da fome e da guerra no continente africano ou na região asiática, acresce a questão da luta pela sobrevivência. E é aqui que reside a diferenciação da realidade migratória. Enquanto os portugueses emigram à procura de novos desafios profissionais ou pessoais, melhores salários ou aperfeiçoamento académico, os imigrantes, na sua maioria, chegam a Portugal e à Europa com um fim claro: a sua sobrevivência (pessoal ou familiar), encontrando no trabalho, algumas das vezes exploratório, a forma mais natural de fixação. Aquele trabalho para o qual o setor empresarial português não consegue encontrar disponibilidade de mão-de-obra nacional.

É uma manifesta falácia e mentira, um populismo radicalizado, a narrativa de que os imigrantes retiram mercado de trabalho aos portugueses ou que vivem à custa da subsidiação do Estado e usufrutuam regalias sociais sem as merecerem (sem que, para tal, tenha havido contrapartida fiscal contributiva), para além da mais que comprovada e provada ausência de ligação entre insegurança e imigração.

Apesar do desmentido (e críticas) da União Europeia em relação às pretensões de encerramento de fronteiras ou à sua limitação, a insistência nas restrições migratórias é uma narrativa populista e radical que em vez de resolver ou solucionar um problema (a legalização da realidade) levará a um aumento da problemática, crescente e perigosa, do tráfico humano.
Importa, para além da óbvia e natural vertente humanitária e da defesa dos direitos fundamentais, notar que a imigração é um dos fatores de sustentabilidade da nossa economia. Sem os imigrantes, muitos dos setores económicos, alguns de importância vital para o país, como o turismo, por exemplo, já tinham colapsado por falta de mão-de-obra.
Além disso, os 1.040 milhões de estrangeiros em Portugal (182 mil da União Europeia e 858 mil de outras partes do mundo com forte peso dos PLOP, dos quais 35% brasileiros) contribuíram com mais de mil milhões de euros para a Segurança Social e beneficiaram de cerca de 257 milhões euros em prestações sociais. Ou seja, o saldo positivo, da prestação contributiva dos imigrantes, traduziu-se em 1.600 milhões de euros. Isto é, contribuíram 6 vezes mais do que beneficiaram.

O problema da migração não está, pois, nos imigrantes. Regras migratórias já Portugal tem e são exemplares. O problema está na origem do fluxo migratório (muito, ainda, como consequência da colonização europeia), na falha no combate às redes de tráfico humano, na aplicação legislativa e na incapacidade do Estado e União Europeia em assumirem a sua responsabilidade social nos processos de acolhimento. Nós é que falhamos com quem imigra.

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Publicado na edição de hoje, 3 de junho, do Diário de Aveiro (página 9)