Um Orçamento do Estado com medo da crise política
(crédito da foto: José Sena Goulão/Lusa, in Jornal Económico)
O Orçamento do Estado, na sua especificidade, é um instrumento provisional/previsional da aplicação das finanças públicas nas várias áreas de intervenção do Estado, gerindo, com imperativo legal, a aplicação das receitas em função das despesas previsíveis. Mas é, também, muito mais do que um plano financeiro e contabilístico. Na sua base, estruturação e gestão está implícita a vertente política: a da estratégia de governação, das políticas ideológicas e programáticas de quem governa, e das medidas a aplicar para a concretização do programa de governação… as Grandes Opções.
Sendo da inteira responsabilidade de quem Governa a elaboração e apresentação do Orçamento do Estado, no entanto, a sua apreciação, análise em sede de especialidade e aprovação depende da avaliação política e deliberativa que a Assembleia da República determinar.
Em teoria, o que seria de esperar, nesta fase em que tem havido um processo negocial para a determinação das linhas gerais do Orçamento, era a discussão sobre a estratégia e as medidas para a aplicação política do Orçamento; os impactos na vida dos portugueses, na sociedade, no emprego, na fiscalidade, na economia, nas empresas ou na materialização da Responsabilidade Social do Estado, nomeadamente, na saúde, na educação, na justiça, na segurança ou na assistência social.
A verdade é que o foco da discussão orçamental tem-se centrado, essencialmente, na sua aprovação, ou não, ou na eventual dissolução da Assembleia da República e no consequente processo eleitoral.
Presidente da República e Primeiro-ministro acenam com o fantasma da crise política. A oposição tem balanceado entre a gestão orçamental duodecimal (sem dissolução) ou a antecipação eleitoral.
Em relação ao Presidente da República percebe-se que Marcelo Rebelo de Sousa, mais do que a preocupação com o número de dissoluções que os seus mandatos têm somado, não queira deitar por terra todo o seu esforço notório para que o partido que sustenta a sua génese ideológica perca o poder, depois de tanto contorcionismo político para que tal se concretizasse.
Luís Montenegro bem tentou arrastar o processo até se confrontar com as sondagens que, afinal, não confirmam o otimismo governativo, acentuando o risco de se confirmar a derrota verificada nas eleições europeias (seja lá o poucachinho que for). Torna-se, por isso, penoso ver o mesmo rosto que em 2019 incitava o então líder do PSD, Rui Rio, a votar contra o Orçamento do Estado, mesmo sem conhecer, minimamente, a proposta, a vir, agora, clamar, hipocritamente, pelo sentido de Estado e responsabilidade política ao Parlamento.
Retirando, ao caso, o PS da equação, a restante oposição, apesar da assunção do risco político ou da habitual arrogância e surrealismo da extrema-direita, tenderá a ver o Parlamento mais bipartidarizado do que atualmente, com algumas bancadas a poderem desaparecer ou diminuírem significativamente.
No caso do PS, partindo do princípio que falham os objetivos negociais, afigura-se mais consistente o voto contra ao Orçamento do que, por exemplo, a sua viabilização através da abstenção. Primeiro, porque isso deixaria nas mãos da extrema-direita a liderança da oposição ao Governo. Segundo, e mais importante, seria o defraudar das expetativas do seu eleitorado e o desrespeito pelos resultados obtidos em março último.
Considerando as palavras de apelo de Marcelo e de Montenegro, ter sentido de Estado é manifestar preocupação quanto à aplicação de políticas que prejudicam os portugueses, as famílias, as empresas, a economia e a justiça social. Ter sentido de Estado é espelhar, com responsabilidade, o compromisso com o seu eleitorado, com aqueles que, pelo voto, escolheram as propostas e estratégia do PS. Ter sentido de Estado é não ter receio de devolver ao povo a legitimidade do exercício democrático através do voto, de dar voz ao povo nos momentos estratégicos.
E o povo já o demonstrou várias vezes que não receia qualquer crise política porque a sabe confrontar. O que o povo receia e não deseja é que prejudiquem o seu bem-estar e o desenvolvimento do país.