Uma governação anémica...
Premissa.
Linearmente… a anemia é uma doença caracterizada pela diminuição do número de glóbulos vermelhos e, consequentemente a diminuição de oxigenação, provocando sintomas como, por exemplo, fraqueza e cansaço (fonte: SNS24).
Só do ponto de vista meramente académico ou utópico é que se pode esperar que qualquer governo consiga, politicamente, solucionar ou resolver uma exigência social. Isso não existe, na prática. O que existe é a capacidade de gerar medidas, ações e políticas públicas que minimizem impactos negativos, que menorizem efeitos nefastos ou que reduzam as dimensões dos chamados “Problemas Perversos” (Wicked Problems, na conceção de Horst Rittel e Mel Webber).
É, por isso, mais do que natural que entre governações sejam herdadas realidades e contextos, mais ou menos dimensionados, que exigem respostas políticas concretas. É assim desde abril de 1974. E não desculpas demagógicas sobre o passado, inação perante responsabilidades devidas enquanto Governo ou a incapacidade de planear, gerir e de agir.
Ora, o que temos observado nestes oito meses de governação é uma inabilidade e impreparação para a concretização da propaganda eleitoral anunciada desde o final de 2023 até às eleições de março último. Ou seja, o logro e o engano a que sujeitaram muitos dos portugueses perante a promessa e planos de ação que, pelos vistos, não existiam ou estavam completamente arredados da realidade e dos problemas (que existiam) do país e dos cidadãos.
Ficamo-nos por um Governo das “medidas que têm sempre um ‘afinal’ na hora da verdade”; das políticas copiadas ou já implementadas anteriormente; das desculpas sobre “urologias” do terreno nos incêndios; das “assopradelas nos auriculares dos jornalistas”; da negação climática; das invasões ao estilo napoleónico de Olivença e do serviço militar para reinserção social; do direito à greve nas forças de segurança; do “afinal” não há professores que cheguem para os alunos sem aulas e do ataque orçamental à investigação e à ciência; da descoberta de uma privatização da TAP que deixou de ser para afinal ser uma simulada capitalização; do copinho de verde tinto que é melhor que a água, que até faz mal; da ajuda aos jovens para aquisição de habitações de 425 mil euros ou o IRS Jovem para ricos; dos 2 milhões de euros de água do Alqueva que “afinal” Espanha não vai pagar; da chatice que é haver uma RTP pública que faz concorrência às dos “amigos” do Governo; da tentativa de doutrinação da formação e educação cívica e de cidadania dos jovens; do descontrolo da autoridade policial nos bairros sociais e do populismo político pífio de megaoperações (Martim Moniz) para encontrar UM imigrante ilegal…
E, ao caso, um Plano de Emergência para a Saúde que nada resolveu em 60 dias (a meta e as expetativas não são do passado, nem do irrealismo utópico... são do Governo); a obsessão por entregar o SNS ao mercado privado da saúde; os 9 mil doentes oncológicos que "afinal" não estavam fora do prazo máximo de resposta garantida; as demissões hospitalares e a conflitualidade com os médicos; o encerramento de urgências, nomeadamente as de obstetrícia e pediatria; o aumento de cidadãos sem médico de família; as listas de espera; a renúncia, antes de assumir funções, do presidente do INEM; as recentes e consecutivas 11 mortes, alegadamente, por insuficiência de resposta do mesmo INEM (pelo menos algumas) e uma amnésia que virou anemia.
Um Governo que confrontado com a realidade, com os factos, com a sua inoperância, ineficácia e incompetência, com a maior despudor (sem se rir) dispara sempre contra um passado que, por narrativa e demagogia exclusivamente suas, anunciou conseguir combater e contrariar, descarrega responsabilidades em quem não as tem (comunicação social ou partidos da oposição política) ou, pior ainda, como no caso da greve dos técnicos profissionais do INEM assobia para o lado, desvaloriza a profissão e os impactos duma contestação previamente anunciada e comunicada, deixada ao abandono numa conta de e-mail. Por mais grave que seja a realidade politicamente herdade, nunca (em todo e qualquer Governo) o caos presente foi tão grande.
Mais grave ainda, a indiferença perante a perda de vidas com o ignóbil e deplorável argumento que nada impediria esses desfechos fatais.
Mais grave do que a gravidade em si mesma… o jogo da estratégia de sobrevivência governativa-partidária em cima da vida humana, porque dificilmente Luís Montenegro deixará cair as suas ministras da Administração Interna e da Saúde pelos impactos políticos que as duas pastas têm nos resultados sociais da governação e a sua fragilização.
A anemia governativa é uma chatice.