Welcome. Bienvenue. Willkommen… a 12,7% do PIB
O turismo em Portugal foi responsável por 12,7% do PIB em 2023 (metade do crescimento do PIB: 2,3%), injetando na economia 34 mil milhões de euros de receitas (apesar do fator inflação), resultado do contributo da “visita” de perto de 30 milhões de turistas (dados do INE). Isto são boas ou más notícias? Nem sim, nem não, antes pelo contrário.
O mesmo já não se poderá dizer quando é expectativa do Governo chegar a 2033 e arrecadar mais de 56 mil milhões de euros de receitas (quase o dobro de 2023), atingindo 20% do valor do PIB nacional.
Ora, se crescimento económico é um fator de desenvolvimento, o que se coloca em causa é se esse crescimento não for estrutural, não crie riqueza de forma equilibrada e sustentada e se esse significativo patamar de receita (diferente de lucro), em determinado ponto, passe a ter impactos negativos do ponto de vista económico, social, urbanístico e ambiental. No fundo, passe a ser negativo o custo (impacto) / benefício (receita).
Considerando os objetivos apontados pelo Governo (das 60 medidas que o Governo anunciou para fundamentar o programa "Acelerar a Economia", quase 30% (17) visam, exclusivamente, o Turismo - mais nenhum setor da economia nacional teve tamanha impulsão/consideração), Portugal encontra-se em contraciclo europeu: em 2023, fomos o segundo pais com maior impacto do turismo no PIB, só ultrapassados pela Islândia; e não convém “assobiar para o lado” perante as políticas/medidas, as manifestações e convulsões que se registam em Espanha, Itália, Grécia, França ou País Baixos, como exemplos.
Devemos olharmos para esta realidade sem ser a “preto e branco” ou “pró e contra”. Portugal precisa de turistas, facto. Não precisa é de um turismo massificado. E aqui é que reside a dificuldade. É fácil olharmos como uma bênção para os números do turismo e, principalmente para o setor, para autarquias e para a tutela política da área, ambicionar sempre mais. O problema reside quando se pisam linhas vermelhas, quando se desequilibra a realidade e, o que seria uma bênção, se torna num inferno. E há algum desassossego nesta visão programática do Governo.
Os riscos são consideráveis (alguns já notados, e não só na Grande Lisboa) e mais que estudados e comprovados: dificuldade de estruturas e respostas municipais à pressão turística; especulação imobiliária e impactos na crise habitacional (escassez de oferta, valores do mercado); pressão urbanística e a desertificação dos centros, “expulsando” os residentes para as periferias e descaracterizando as dinâmicas das comunidades e dos bairros; os problemas como a mobilidade e as acessibilidades (trânsito, falta de resposta das redes de transportes); ou problemas ambientais, como a salubridade, o lixo ou a poluição. Mas também as questões laborais, como a baixa qualificação, os baixos salários, a escassez de proteção social (nomeadamente face ao recurso a mão-de-obra migrante), a precariedade e a sazonalidade.
Há ainda dois fatores de risco que importa referir pela sua importância. O primeiro, apesar de conjuntural, é já notório, a massificação do turismo leva a uma inflação descontrolada no setor: a Hotelaria de Portugal revela que mais de 70% dos hóspedes em hotéis portugueses são estrangeiros e, ainda, o INE assinala que, no ano passado, registaram-se 3,2 milhões de deslocações de portuguese ao estrangeiro, com outros dados interessantes. Foram mais 21,5% que em 2022 e o gasto médio em cada deslocação atingiu 736,6 euros (quando no período pré pandemia, 2019, o valor médio de cada deslocação, em Portugal, no território, era, em média, 164 euros).
Por último, que não em último. O excesso de foco político neste contexto tolda a necessária visão estratégica realista e sustentada para o desenvolvimento do país. O equilíbrio entre a fragilidade, a incerteza e, principalmente, a vulnerabilidade a contextos externos do turismo, e a aposta na industrialização e na inovação, geradoras de desenvolvimento económico mais sustentável e consistente.
Publicado na edição de hoje, 5 de agosto, do Diário de Aveiro (pág. 7)